PORTFÓLIO

Nesta seção você encontrará o trabalho do escritor Roberto Prado.

Aqui estão trechos de quatro dos livros publicados pelo autor, com diferentes estilos de escrita.

Você pode, se desejar, optar por um desses estilos, OU algum outro que lhe agrade:

COLINA DOS DEUSES


LIVRO I — OS FILHOS DE MARTE

*Do ano 307 Ab Urbe Condita (446 Antes da Era Cristã), até 357 AUC (396 AEC).

PRIMEIRA PARTE: VINDIMAS

Capítulo I

Os primeiros raios de sol levantavam-se do leste. O astro rei, primeiro Deus entre os homens, já havia feito aquele percurso por incontáveis gerações, e o carro Apolíneo iniciava sua jornada diária uma vez mais, como sempre o fizera, conduzindo a imensa bola flamejante que podia dar a vida e também fazer secar as plantações. Do Leste iniciava sua marcha inexorável e cavalgava em direção ao Oeste, iluminando os homens do ocidente em seu caminho.

Era o ano trezentos e sete, Ab Urbe Condita (AUC), sob o consulado de Titus Quinctius Capitolinus Barbatus e Agrippa Furius Medullinus Fusus, o mês de março havia chegado mais tarde aquele ano; é que no ano precedente, o mês de Dezembro, décimo e último mês do ano, tivera que ser acrescido com oitenta dias a mais pelos sacerdotes, ficando com o total de cento e cinco dias — o mês eterno — disseram os citadinos. Era prática ainda comum acrescentar e retirar dias ao mês para melhor os enquadrar às estações dos anos, ocorria que uns anos ficavam curtos demais e outros longos demais, mas, como os períodos de Plantatio (plantação) eram decididos pelos augures, ficava ao encargo deles regular a passagem e a contagem do tempo.

Lucius, varão da Gens Furia, acordara cedo como era de seu costume, naquelas calendas do mês de março. Pulou da cama aos primeiros cantos dos galos que já ciscavam pelo terreiro de sua vila perto de Tusculo, cidade cliente a Roma desde o ano duzentos e sessenta e oito AUC. Havia mais de quarenta anos que sua família, de origem nobre na referida cidade, emigrara para a Urbe que se erguia como potência militar e política na região do Laccio, a sudoeste do rio Tibre, entre os montes Apeninos e o mar Tirreno. Mas ainda mantinham sua propriedade próxima ao lago Albano, região de antiga terra vulcânica, negra e fértil, situada a pouco mais de dezessete quilômetros a Sudeste de Roma, e a cinco quilômetros de Tusculo.

Lucius olhou para o sono tranquilo da esposa, deitada de lado, no confortável colchão de penas de gansos jovens, ela respirava forte enquanto dormia abraçada à grossa manta de algodão fiado, sempre sentia mais frio quando estava para dar a luz. Ele olhou com ternura para a barriga da mulher cujo ventre já havia lhe ofertado quatro varões para continuar sua linhagem. "Será que é mais um menino?" pensou, enquanto se dirigia para a tina de cobre batido que ficava cheia de água no quarto. Jogou dois punhados de água no rosto inclinado e esfregou os olhos para despertar. Passou a mão em uma grossa e antiga jaqueta de couro de carneiro e vestiu-a sobre a camisa de algodão tingido de azul. Estava frio, e sentiu o aconchego dos pelos do animal morto que lhe mantinha o calor em seu corpo. Ao sair, fechou a porta com cuidado.

Ajoelhou-se em frente ao altar doméstico e recitou uma pequena oração em honra dos deuses familiares (Manes), pedindo suas bênçãos e proteção. Não era ainda o chefe da família, posto que seu pai ainda vivesse, mas, devido à idade e a saúde debilitada do velho Furius, que se chamava Spurius, era Lucius, único filho varão que lhe sobrevivera, quem assumia as funções sacerdotais da casa.

Ele apanhou o antigo Modius (cesta) de vime e uma pequena faca curvada feita de cobre, ambas da prateleira debaixo do altar de madeira polida; eram instrumentos sagrados utilizados apenas uma vez em cada colheita. Soprou as brasas do fogo santo que sempre haveria de queimar, colocou cuidadosamente alguns gravetos específicos, cortados em simetria uns aos outros; e depositou nas chamas, que se elevaram alguns ramos de ervas e flores, também consagrados à Pietas doméstica. Ele abriu as pesadas portas de madeira maciça que separava a casa do pátio de entrada, não que não houvessem criados para fazer-lhe isto, mas era o mesmo ritual de seus antepassados, e tudo tinha que ser repetido em seus mínimos detalhes para não desagradar aos Deuses que protegiam seu lar.

Do lado de fora, em pé no pátio defronte a porta, uma fileira de seus servos o aguardavam, apenas os homens com filhos varões, em jejum, como ele, e também como ele trazendo cada um uma cesta de vime e semelhante faca curvada. Tinham todos, as cabeças envoltas em mantos sacerdotais de lã branca, o mais branco que conseguiam produzir, pois o branco é a cor que apraz aos Deuses.

Sem dizer palavra alguma, todos seguiram o mestre em procissão silenciosa rumo às parreiras de uvas que se estendiam do lado esquerdo da propriedade, e tomava conta de toda a encosta que descia em direção ao grande lago. Sua plantação de uva era grande o suficiente para encher as adegas de toda a Gens Furia, mas pequena demais para ser comercializada nos mercados da Urbe, onde ele vendia o trigo, este sim, em plantação a perder de vistas. Mas o vinho produzido era mais uma questão de piedade do que um negócio. Repetia os costumes que remontavam aos tempos de Aevandrus, pai de Palante, a quem descendiam, aliados do troiano Aeneas.

Era a cerimônia da colheita das Vindimas, os primeiros frutos da estação, que seriam despejados no grande tacho de madeira e massagados pelos pés descalços e lavados pela água sacerdotal. Primeiro os pés do Pater Familiae, depois por Lucius, seu sucessor nas honrarias e cultos dos Deuses, e depois, pelos servos pais de filhos varões. Também eles participavam do culto familiar; ainda que fossem servos, eram, para todos os efeitos, parte da família, e a ela estavam ligados para sempre, mesmo após a morte, quando então seriam enterrados no cemitério particular e Sacro da propriedade ancestral.

O sol ainda saia preguiçosamente, lentamente ganhando altura, quando o octogenário Spurius Furius Medullinus Fusus, Cônsul do ano 289 AUC, pai de Lucius Furius Medullinus, e tio avô de um dos cônsules do ano, passou um dos braços trêmulos em volta do pescoço do filho, e outro pelo pescoço do servo mais antigo, que lhe era, na verdade, filho bastardo que tivera ainda na juventude, com uma das servas de seu pai. Não podia tocar o solo com os pés descalços depois de havê-los lavado com a água cerimonial, por isso foi içado pelo filho e pelo servo ao tacho de vinho, pisou com dificuldade nos cachos das uvas roxas, escorando-se na borda, de onde se segurava com a força que seus braços podiam ainda exercer. Era a setuagésima sexta vez na vida que presenciava o rito sagrado.

As mulheres da casa não podiam tomar parte ativa na cerimônia, e todas elas, a exceção de Lavinila, esposa de Lucius, que por seu estado necessitava de repouso, posto que estivesse para dar a luz em qualquer daqueles dias, acompanhavam, assistindo de longe, bem como os outros filhos de Lucius.

O ritual de pisar as uvas acabou antes de o sol estar alto e o vinho foi posto para envelhecer em tonéis de carvalho já curtidos, e guardados na adega própria para as Vindimas. Também dela, da adega, Lúcius e os criados retiraram os tonéis que guardavam o vinho das Vindimas passadas.

Sob os olhares severos de Spurius, e os olhares curiosos dos quatro filhos, Lucius ordenhou no pátio a cabra de pelo mais branco e com apenas uma cria, que era separada todos os anos do rebanho; encheu com o leite uma bacia, também muito antiga, mas muito bem conservada, de cobre batido.

O altar dos Manes, os deuses domésticos que guardavam a casa, foi trazido pelos servos para o pátio, iluminados pelo fraco sol da manhã. Lucius entoou cânticos sagrados e antigos, tão antigos que mal pareciam com o Latim que se falava atualmente, em frente ao altar, com as palmas das mãos erguidas e mantendo a cabeça baixa.

Lucius olhou para o velho pai sentado numa cadeira, muito próximo dele, era ele quem presidia a cerimônia. Spurius, mantendo o rosto sério, e a expressão grave nos lábios, fez que sim com a cabeça, movendo-a lentamente.

Lucius pegou um pequeno odre vazio e o mergulhou no primeiro tonel da Vindima passada, marcado com o desenho dos cornos de um cervo. Ergueu o odre cheio acima da cabeça em ângulo para frente, exibindo-o ao sol, que agora já se mostrava por inteiro. Os servos mais velhos trouxeram bandejas de madeira esculpida, recheadas, umas de bolos assados com as flores de trigo; outras com frutas; e mais bandejas com diferentes flores silvestres, colhidas por eles assim que o disco solar aparecera por completo no horizonte.

Lucius Furius Medullinus procedeu então, liturgicamente, enquanto ainda recitava alguns cânticos sagrados, a libação do vinho e do leite, derramando-os por completo no chão, na terra, em frente ao altar de seus antepassados. Curvou-se mais uma vez e, mais uma vez levantou as palmas das mãos aos céus, agora de frente ao altar e de costas para o sol, agachou-se e partiu com as mãos um pedaço do bolo de flor de trigo e jogou-o ao fogo das almas dos mortos. Colocou na fogueira com cuidado e cerimônia a mais bela pera, e um ramalhete variado e colorido das flores campestres, ainda molhadas pelo orvalho da manhã, mas não sem antes mergulhar as bases dos caules dentro do pote que trazia o mel fresco.

A fumaça produzida tinha um cheiro adocicado que perpassava a todos, transmitindo um senso de comunhão e fé com o passado e com os Deuses da casa. Spurius respirou fundo o cheiro e a fumaça. "Em breve, estarei eu também aí por baixo. Junto de vós, antepassados de minha carne, protetores de minha casa. Honra e glória de minha descendência" falou o velho, era o termo das orações. Todos se aproximaram, incluindo as mulheres, para comerem juntos das oferendas restantes. Os primeiros a comer eram os mortos, através do fogo sagrado; depois os que lhe estavam mais próximos, e depois os senhores adultos, então as mulheres dos senhores, e por fim, as crianças dos senhores; só então os servos mais velhos, em seguida as mulheres dos servos, por fim as crianças dos servos.

Lavinila, esposa de Lucius, acompanhava as libações, sentada em uma ampla poltrona acolchoada que os servos puseram do lado de fora da casa, próximo à porta. Sentia as dores e as contrações do parto desde que acordara, mas, mulher experiente que era; mãe de quatro filhos homens, e duas mulheres, além de outras cinco gestações que não vingaram, tentava controlar seu corpo e as contrações, apertando fortemente a barra do vestido com o punho, que se cerrava todas as vezes que ela inspirava com força, e relaxava quando o ar saia de seus pulmões. Apesar de ser uma manhã fria, ela suava ao ponto de lhe molhar a vasta cabeleira negra. Sua face ruborizava-se cada vez mais, por impaciência, a cada movimento ritualístico praticado pelo marido.

— Teu filho está ansioso para ver-te — disse ela, ofegante, quando Lucius lhe colocava um pedaço do bolo de flor de trigo na boca. Ele sorriu, acarinhando de leve o rosto da mulher com as pontas dos dedos. O ritual das Vindimas, que se repetia todos os anos, exatamente da mesma forma, estava no fim, e seu mais novo filho ou filha queria também ver o sol de sua pátria.

— Deve estar a querer ver seus Manes — sussurrou-lhe ele. Ela sorriu, com os lábios embranquecidos pelas contrações.

— Ou não deve gostar muito de flores de... — gemeu um gemido abafado — ... De trigo — e sorriu.

— Não consegue segurá-lo até amanhã? — perguntou Lucius. Ela jogou nele um olhar de ódio. — Já vi, que não — murmurou ele.

"Podia ao menos ser menina," pensava ele de pé, ao lado da mulher, enquanto viam os outros ainda se dirigindo ao altar para pegar sua porção da refeição compartilhada. "Nascer em dia ímpar é um péssimo agouro," continuava a pensar. Para suas superstições, nascer em dia ímpar trazia má sorte para a vida, e era mais desejável que uma mulher tivesse má sorte do que um homem, afinal, dependia deles a continuação do culto da família.


***


Os dois Decuriões de Roma saíram, montados a cavalo, lado a lado, pelos portões do acampamento, seguidos pelas três carroças puxadas por bois, carregando víveres, e equipamentos, improvisados na maioria, e outros animais de consumo, mantidos vivos em pequenas gaiolas. Os cem soldados marchavam liderados por Ambrosinus, em perfeita fila de dois, carregando seus escudos e lanças, enquanto as habitações, construídas por madeira e pedra, queimavam às suas costas, incinerando os vestígios, e os corpos das indefesas vítimas da guerra.

Marchavam em silêncio, parando para descansar a cada sete horas, rumo ao primeiro de seus destinos. Não havia propriamente uma estratégia de guerrilhas traçada a anteriori: Começariam por averiguar as condições do antigo acampamento de Pennus. O que se daria em seguida não estava planejado, mas estavam todos imbuídos do mesmo objetivo: atrasar ao máximo a partida do exército Veiano contra a Urbe. Cada um deles se via como a última linha defensiva de sua amada pátria, e não estavam dispostos a entregá-la à sanha de seus odiados inimigos. Não sem antes verter a última gota de sangue que animava seus corpos.

No silêncio da noite, rastejando sob a relva, Camillus, Potitus e Ambrosinus observavam as luzes no antigo acampamento de Pennus, distante algumas horas de marcha do acampamento de Veii, montado próximo da cidade de Fidenae.

— São os Etruscos, sem dúvida — comentou Ambrosinus, baixinho.

— Não te parecem prisioneiros? — Perguntou Potitus, apontando para um dos cantos do acampamento, onde uma enorme cela de galhos amarrados detinha um punhado de homens cabisbaixos.

— Será que são nossos? — Questionou Camillus.

— Hum — respondeu Ambrosinus, apertando os olhos —, difícil dizer. O ideal seria ver durante o dia.

— Não temos essa possibilidade — retorquia Potitus.

— Precisamos enviar alguém — sugeriu Camillus, sério.

— Pensa em uma missão de resgate, senhor? — Ambrosinus se surpreendeu. — Tem ao menos mil Etruscos ali. Não teríamos condições de sobreviver num ataque direto.

— São Romanos, Ambrosinus. Não chegamos tão longe de casa, e nem enfrentamos tudo o que enfrentamos até aqui, para abandonar a nossos irmãos.

— Sem contar que podem querer usá-los — complementou Potitus, concordando com Camillus —, como moeda de troca. Forçar um resgate.

— Ahãm.

— Macrus é um dos mais furtivos que conheço — sugeriu Ambrosinus.

— Jovem demais — disse Camillus, apesar de ser ele mesmo mais jovem que Macrus.

— Mandemos Anteneus — falou Potitus, encarando a Camillus. — Apesar do tamanho, e da aparência desengonçada, é ágil feito um gato. E já tem bastante experiência.

— Concordo — falou Camillus. — Ambrosinus, vá chamá-lo, e divida os homens, traga-os todos para cá. Tu lideras trinta, e dê o restante para Agnanius.

— Sim, Decurião — respondeu Ambrosinus, escorregando-se para descer o pequeno morro, onde se encontravam as tropas, sentadas na planície, aguardando o comando.

— O que tens em mente? — quis saber Potitus.

— Penso em deixar armas, ao menos dois gládios, e algumas facas com teu mensageiro, para que ele entregue aos prisioneiros. E quando tu, com a tropa maior, fingir um ataque direto contra os portões, eles se libertam. E eu os resgato, com Ambrosinus, escalando aquela parede e matando as sentinelas.

— Como saberei que já está em posição?

— Hum, não temos linhas de comunicação. É arriscado demais. Dê-me uma hora para chegar.

— Farei tudo para te dar ao menos um quarto a mais de hora. De qualquer forma, caberá a Anteneus e aos prisioneiros dar o início.

— É bom que não se dirijas de imediato ao acampamento quando terminarmos. De certo irão seguir-te. Fujas para aquelas árvores — Camillus apontou para uma pequena floresta à esquerda de onde estavam —, depois de te certificares que os despistou, me encontre no segundo dia, no acampamento. Caso não estejamos lá, estaremos no segundo ponto de encontro, no mesmo riacho onde acampamos quando nos encontramos.

— Certo.

Ambrosinus, Anteneus e Agnanius já haviam se aproximado dos Decuriões, e chegaram a ouvir parte da estratégia, repassada agora em detalhes.

As ordens foram distribuídas, e cada parte se pôs em movimento, mantendo o máximo de silêncio possível. Em menos de meia hora, Camillus viu-se de frente a parede de um metro e meio, construída com troncos e barro. Precisava apenas atravessar um pequeno charco, mas como estava escondido pelas árvores, preferiu esperar pelo sinal combinado, para só então pôr seus homens a descoberto, sob o risco de ficarem expostos às flechas atiradas de cima da muralha. E como combinado, se Anteneus não retornasse dentro de uma hora, Potitus e Camillus deveriam dar por perdida a empreitada e se retirar para o acampamento, onde haviam deixado parte do equipamento e os víveres, sob a vigilância dos ainda feridos e de outros dezesseis homens, por caminhos diversos.

A espera se tornava cada vez mais torturante. Com o semblante preocupado, Ambrosinus lançava os olhos na direção do comandante, questionando sua obstinação naquela operação de resgate. Mesmo na escuridão da noite, e nas sombras das árvores, o veterano pôde ver Camillus olhando para o céu, na direção da lua e das estrelas, pelas quais, ambos concluíam que o tempo dado a Anteneus já havia passado. "É provável que tenha sido capturado" pensava Ambrosinus, "e que os Etruscos estejam a nos cercar." O endurecido veterano suspirou trêmulo, olhando para trás por sob as costas, tentando distinguir na escuridão algum vulto que denunciasse a aproximação do inimigo.

Camillus cerrava os punhos, que seguravam ambos a espada, ainda na bainha de sua bolseta. A lua revelara que o tempo se lhe tornara contrário, e a hora dada a Anteneus já havia passado, o que significava que o sol nasceria dali a pouco menos de duas horas, e ser-lhe-ia impossível, sob a luz do dia, manter-se a descoberto, ou mesmo recuar para o acampamento. Arrependeu-se de não ter enviado a Macrus, como sugerira Ambrosinus, o rapaz era de baixa estatura, e seria praticamente invisível, em contraste com o alto Anteneus. Rezava aos Deuses para que Potitus, do outro lado das fortificações, não tivesse dado como perdido o resgate, e houvesse, como ele próprio, desconsiderado esta parte do plano combinado.

— Só mais um quarto de hora — pensou em aflição, olhando fixo para as frestas nas muralhas, esperando por qualquer sinal que fosse, de que seus companheiros houvessem conseguido se libertar. — Vamos Anteneus! Pelas graças de Ianus, homem!

Quando uma confusão se instaura dentro do acampamento, fazendo explodir labaredas de fogo alto, enquanto quatro guardas, de vigília na amurada caiam mortos para o outro lado, e Romanos em desespero saltavam de cima das muralhas, muitos deles caindo no chão duro.

Quirinus Potestatem! — Gritou Camillus, evocando o poder divino ao puxar a espada, e avançar pelo charco, na direção das muralhas. — Escalem homens!

— Sigam o Decurião! — Gritou Ambrosinus, seguindo-o correndo. — Cornicen!

Os homens de Camillus subiam pela muralha, ajudados pelas mãos dos reféns e de Anteneus, que não apenas conseguira libertar e armar aos cativos, como também ateara fogo na tenda de provisões.

Rapidamente as tropas Veianas, desorientadas, formavam pelotões e davam combate, dentro do acampamento, e pela amurada. Camillus liderou um grupo de soldados dentro do acampamento, em linha, protegendo a fuga dos cativos, que Ambrosinus puxava para cima com os fortes braços, enquanto flechas e lanças eram atiradas contra eles. Camillus viu quando centenas de tropas Veias correram em direção aos portões, chamados pelo toque dos clarins, anunciando o ataque de Potitus, que como ele, havia confiado em Anteneus por mais tempo que o combinado.

Camillus e sua linha, dentro do acampamento, se defendiam com gládios, facas e escudos, contra a densa linha de Veianos que crescia mais e mais com o tempo, pressionando-os contra as muralhas.

— Decurião! — Gritava Ambrosinus de cima do muro para Camillus. — Decurião!

— Por Iupiter, homens! — Gritava Camillus, sentindo a lâmina de seu gládio prender no osso do antebraço de um dos atacantes. — Retalhem estes porcos! — Vociferava, puxando com força a espada.

"Marcus!" Camillus ouviu a voz de Ambrosinus chamar por ele, e olhou para trás, na direção do veterano, que apontava para a jaula vazia. Quase todos os Romanos haviam sido resgatados.

— Retirada! — Ordenou Camillus a sua linha. — Protejam-nos, Ambrosinus — gritou a Ambrosinus, que ordenou a seus homens, de cima da muralha, que afastassem com as lanças e flechas, a linha de Veianos que perseguia Camillus. — Dois toques! — Falava Camillus, sendo puxado pelo braço. — Dois toques! Avisem a Potitus!

— Soem dois toques! — Repetiu Ambrosinus, tentando puxar para cima os dois últimos homens que defendiam os fugitivos, mas que foram massacrados antes de poderem ser resgatados.

Camillus sentiu a mão calejada de Ambrosinus empurrar sua cabeça para baixo pela nuca, enquanto ele próprio se colocava, com o escudo voltado para trás, entre seu Decurião e as flechas do inimigo, que singravam feito chuva na direção dos Romanos em fuga.



TEXTO HISTÓRICO:

Versão completa em: https://www.amazon.com.br/dp/B07S6GT61F 


As Flores de Walhalla 

Romance Histórico; Nazismo; Segunda Guerra.

90.000 palavras; 526.000 caracteres; 290 páginas de word.

32 capítulos.

CONTEXTUALIZAÇÃO_HISTÓRICA

O_QUE_FOI_NAZISMO

A_MITOLOGIA_DOS_POVOS_GERMÂNICOS

Prólogo

PARTE I

Capítulo_I. Origens

Capítulo_II. Angústia

Capítulo_III. Reflexões de Homem Morto

Capítulo_IV. Pratos Quentes

Capítulo_V. Perto Demais

Capítulo_VI. "Cledir"

Capítulo_VII. Sobre Pedras e Poetas

Capítulo_VIII. Alquimistas e Delatores

Capítulo_IX. Ataque Pelos Flancos

Capítulo_X. Asas de Cera

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Versão completa em: https://www.amazon.com.br/dp/B07S6GT61F

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CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

A segunda guerra mundial foi o conflito mais avassalador que se abateu sobre a humanidade. Nunca se tinha visto um maior derramamento de sangue, e uma maior materialização de ódio em toda a história humana.

O Reich (Império) de Hitler, iniciado em janeiro de 1933 e terminado em maio de 1945, em pouco mais de doze anos deixou marcas mais profundas do que séculos puderam fazer, tanto nos seres humanos que participaram de uma forma ou de outra das batalhas, quanto nos diversos povos da Europa. Vítimas e agressores, cada um a seu tempo, sofreram os mais atrozes tormentos e provações.

O terceiro Reich encontrou seu fim depois de seis anos de intenso e desesperado combate. E foi preciso a união de quase todos os países da terra para que fosse destruído. Mas, como uma besta mitológica, tanto o império quanto seu fundador recusou-se a morrer, sem antes ter proporcionado ao mundo um verdadeiro espetáculo de fúria, destruição e sangue.

"Ao soçobrarmos, levaremos conosco meio universo", teria afirmado o Führer. Tendo dito ou não, fato é que cumpriu a promessa. Nenhum império da humanidade caiu com tanta teatralidade e grandiloquência como o terceiro império alemão.

Não foi o antagonismo de um império nascente e no auge do poder e com um líder carismático, contra um império em decadência liderado por alguém aquém de seu tempo, como no caso do império persa sendo devorado pelo faminto Alexandre Magno, ou grandes batalhões se movimentando estrategicamente em vastos campos de batalha no tabuleiro de xadrez da Europa como no caso napoleônico. Ou ainda ao melancólico adormecer do Império Romano.

A segunda guerra mundial foi uma guerra total. Comparada apenas, exceto nas proporções, à terceira guerra púnica. Em que Roma, após a vitória, vendeu toda a população cartaginesa como escrava, matou todos os animais domésticos, destruiu cada uma das edificações e salgou os campos.

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Versão completa em: https://www.amazon.com.br/dp/B07S6GT61F 

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Berlim. 1932.

"Nós o chamávamos Grendel, era muito grande e muito forte, podia retirar um homem pesado do chão com apenas um soco, mas era um grandalhão bobo, o mais brincalhão de todos, e uma verdadeira princesa ao cuidar da tia avó, já doente e bem velha. Mas ela o tinha criado. E na verdade, por sermos todos órfãos, acabávamos dividindo nossas famílias, até que nos tornamos uma só, e grande família. A velha viveria até quase o início da guerra, e nos revezávamos para cuidar dela; perdia gradativamente as funções motoras, e no fim, precisa de ajuda até para cagar. Por mais de uma vez tive que levar minha namorada para este encontro nada romântico. O que era curioso, pois creio que foi isso que acabou por conquistá-la de vez. Anna ria, aquele sorriso lindo, cuidando da velha tia avó de Grendel.

Ele era totalmente leal a meu irmão, mas ficava ridículo naquele uniforme pardo de S.A, sua bunda ficava gigantesca, e o quepe ficava ainda menor em sua enorme cabeça. E piorava, de pele muito rosada, e bochechas protuberantes, deixou o bigodinho parecido com o do Führer, e ficava muito vermelho quando com raiva. Deus! Como ele gostava de comer uma puta!

Lembro-me de várias brigas que tínhamos que enfrentar quando crianças por causa dele, os outros meninos o chamavam de leitãozinho e ele os perseguia, e nós, obviamente, o defendíamos. Heinrich nunca o tratou de forma diferente de qualquer um de nós. Todos nós confiávamos a vida no meu irmão, e tínhamos certeza que ele estava sempre pronto para se sacrificar por qualquer um de nós, até mesmo pelo mais insignificante.

O Führer se tornara, psicologicamente, uma espécie de pai para todos nós. O partido estava a um passo de chegar ao poder. Sentíamo-nos invencíveis! E em nova nossas fileiras se enchiam de esperança.

A tão aguardada revolução nacional estava às portas, e nosso grupo fora designado para a capital, com a missão de auxiliar Her Goebbels, gauleiter de Berlim em sua luta contra a frente vermelha.

O combate por Berlim evoluía desde há muito em violentas lutas homem a homem, era o último reduto que ainda resistia à onda nacional socialista que varria a Alemanha do Maas ao Memel.

Saíamos toda madrugada e percorríamos principalmente os bairros judeus, à procura dos vermelhos, e não era raro encontrá-los, lutávamos com porretes e facas, Grendel tinha um soco inglês do qual se orgulhava muito.

Mas aquela em especial fora uma madrugada muito fria, e tínhamos bebido bastante devido as festas de comemoração do aniversário do Führer, era 1932, e as S.A estavam no auge, sob a liderança enérgica de Röhm, a quem chamávamos pelas costas de "donzela de aço" por ser pederasta assumido.

Voltávamos para o alojamento quando nos encontramos de frente com um grupo de vermelhos. Eles estavam todos ouriçados, e vários grupos estavam ativos naquela madrugada, esperando não sem razão, atocaiar nossos grupos bêbados depois das comemorações, éramos doze. Eles não me lembro ao certo, mas diriam depois que passavam dos cem, mas acho que não chegavam a cinquenta.

Estávamos todos bêbados e eufóricos, e Hei gritou com fúria na direção deles:

— Heil Hitler!

Ao que eles responderam:

— Morte aos fascistas!

— Berlim jamais será vermelha! — gritamos correndo pra cima deles.

Seguiu-se uma gritaria infernal de ambos os lados, e em alguns minutos as duas turbas estavam em combate feroz, tomamos posição de costas para um muro. De forma que o inimigo não tomasse proveito do seu número superior.

Lutávamos com violência, e sangue e gritos saiam das bocas. Grendel, o nosso gigante, derrubava vários deles socando a esmo. O álcool parecia ter lhe dado um poder sobre-humano, avançava no meio da turba batendo, rindo e gritando com fúria: — Lênin chupa o pau de Hitler! Stalin usa vestido! — o que acabava tornando-o um alvo muito cobiçado.

Quando a luta estava no auge, ouvi de repente um estampido e um estouro, logo sucedido por outro, e os dois lados se dispersaram confusamente por várias direções.

Achamos que a polícia havia chegado e disparado pra cima, como em outras vezes para dispersar a multidão. Mas dessa vez fora um comuna que disparou uma pistola contra nós.

Paramos de correr assim que dobramos uma esquina, uns escorados na parede, outros sentados no chão sem fôlego.

—Estão todos bem? — perguntou Hei, ao que respondemos:

— Sim.

— É irmãozinho, demos uma lição naqueles vagabundos! hãm?

— Ai meu Deus! Cadê o Grendel? — perguntou um dos nossos.

Todos nos olhamos.

— Ai meu Deus, pegaram ele!

— Se os vermelhos pegaram ele...

— Meu Deus, vão nos prender!

— Calma! — estávamos confusos, com medo e eufóricos.

— Vamos matar aqueles filhos da puta!

— Grendel! — nos lembramos enfim de chamar por ele.

— Ah não! Ele está lá! — outro camarada gritou. Apontando para o campo do combate anterior, todos olharam tentando se esconder atrás da parede.

Vi um corpo mal iluminado deitado na rua.

— Ai meu Deus! Mataram ele! Mataram ele!  — eu disse.

— Grendel! — todos entraram em pânico, e choramos, não havia um dentre nós que naquele momento não pensava na tia avó.

— Precisamos ir até lá!

— Tá maluco, Hei! E se eles ainda estiverem lá? Esperando voltarmos!

— Eu vou! — gritei. Não sei por que me ofereci. Talvez buscasse a aprovação do meu irmão, ou mesmo de nossos camaradas.

— Tá bom, mas vai com cuidado! E volta ao menor sinal de perigo!

— Pode deixar, Hei — nos seguramos pelo braço um do outro. — Nos encontramos em Walhalla! — dissemos. Era uma brincadeira que fazíamos desde pequenos.

Fui esgueirando-me pelos cantos, a cada passo que minhas pernas davam, meu coração congelava. — E se eu morrer? — pensava. — Meu Deus. Mato a mamãe de desgosto — pensei em meu pai e me perguntava se era assim na guerra, esse medo e euforia. — Será que ele sentia medo? Será que pensava em mim?

Via minha sombra projetada pela luz dos postes, às vezes a frente, noutras vezes atrás de mim — Menos mal! — pensei — Se morro. Morro como herói! — ideia estúpida. Logo também me respondi: Mas que porra! Do que serve um herói morto?

Já podia ver o corpanzil de Grendel, estava imóvel, olhei para todos os lados, esperando ver algum vermelho de tocaia, mas não havia ninguém, a rua estava deserta. Ainda sim não fui até Grendel, precisava me certificar e fui até a outra esquina agachado, somente para constatar que também estava deserta. Não havia ninguém.

Levantei-me e assobiei, para chamar meus camaradas. E fui finalmente até onde Grendel estava caído. Não sabia o que fazer. Nem mesmo sabia se estava morto ou não. Procurei pelo corpo algum sinal de sangue, não vi. Não tinha sangue, consegui ver apenas um pequeno buraco em seu uniforme, mas era tão pequeno que pensei ser de desgaste do próprio uso. Não havia sangue. Como não havia sangue? Esperei ao lado corpo até que os outros chegassem.

— Ai Deus! Não!

— Mataram ele!

— Puta que pariu — em pouco tempo todos chorávamos. Era a primeira vez que a morte visitava nossa turma, primeira, mas de forma alguma a última. Nenhum de nós ainda havia visto um cadáver, e menos ainda, de um dos nossos. Sabíamos que corríamos este risco. Mas até aquela noite era um risco poético, não físico.

Não sabíamos o que fazer. Alguns choravam sentados no meio fio. Outros ajoelhados perto de Grendel. Só meu irmão manteve a calma. Estava em pé, taciturno, olhando sério para o amigo morto. Eu o copiei, e também permaneci de pé.

— O que vamos fazer?

— Vamos à polícia — disse Hei.

— Vão nos prender!

Ele pensou um pouco, balançando a cabeça devagar.

— Não. Só um. Eu liderei. Eu assumo. Vocês voltem para o alojamento.

— As ruas ainda devem estar cheias deles — comentou um deles.

— Tem razão — disse Heinrich —, um de você conhece alguém por aqui?

— Eu conheço Hei. Um primo meu mora aqui perto. Ele não é do partido, mas podemos ir para o apartamento dele.

— Ótimo. É que farão. Eu irei à chefatura.

E fomos todos, deixando, não sem pesar, nosso líder e nosso camarada morto para trás. Quase meia hora de caminhada e meus pés doíam de frio, estava muito cansado e com muito sono. A noite adquiria, quanto mais avançava, aspectos de um sonho louco.

Tivemos que chamá-lo da rua. E levaram uns quinze minutos para que ele aparecesse da janela e viesse nos abrir a porta do prédio. Entramos no apartamento pobremente decorado onde vivia ele, com a esposa, os dois filhos pequenos e a sogra. Ofereceu-nos um pedaço de pão duro, que comemos com satisfação.

*

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TEXTO POLICIALESCO:

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Vidas Loucas

Crime organizado; Policial; Homoafetivo; Política.

68.000 palavras; 398.000 caracteres; 200 páginas de word.

26 capítulos.

Capítulo_I - Vultos na noite

Capítulo_II - Entre monstros e carnavais

Capítulo_III - Cangaço

Capítulo_IV - Entre celas e palhaços

Capítulo_V - Desacerto

Capítulo_VI - Undécima hora

Capítulo_VII - Recompensa

Capítulo_VIII - O começo

Capítulo_IX - Correria

Capítulo_X - A missão

Capítulo_XI - Comércio

Capítulo_XII - Metamorfose

Capítulo_XIII - O poderoso Patrão

Capítulo_XIV - Mil grau

Capítulo V - Desacerto

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— Cacete! - gritou Lúcio. - Aquele veado ainda tinha que ser preso? - estavam quase todos reunidos na casa de Rogério, que funcionava como base, começava a amanhecer. - E nem temos o dinheiro todo ainda. Quanto temos?

- Quarenta e seis mil - respondeu Amilton.

- Porra, mas a gente tem que dar um jeito de tirar o Del de lá - disse Luciano. Lúcio e Rogério se olharam.

- Tirar ele? - perguntou Lúcio - Temo é que meter uma bala naquele vacilão!

- Concordo - disse Edgar.

- Eu também - disse Demenor. Luciano olhou com raiva para os três comparsas - Ué cara. O mano vacilou ai. Tem que cobrar vacilo mesmo.

- O cara tem conceito comigo. Ninguém vai passar ele não - desafiava Luciano. Lúcio olhava tranquilamente para ele.

- Pô Luciano, cê sabe que eu te considero paca, mas o cara vacilou bicho. Disse que era fita boa, de dez pau. Chegamo lá e não era nem cinco pô. Três e meio bicho. E o cara ainda surta e desce o cacete na véia. Vai ficar carro de polícia nas entrada tudo, o Serra vai ficar cercado por uma semana pelo menos. Como é que a gente vamo fazer os corre agora? Falta grana pra caralho, pô - disse Rogério.

- Sem falar que ele pode dar a gente - completou Lúcio. Rogério e outros assentiram.

- Eu tô ligado, Rogerin. O mano vacilou mesmo. Mas ele não vai dar nóis não. Garanto - tentava negociar Luciano.

- Põe o seu na reta neguin? - perguntou Lúcio. Luciano não respondeu.

- Pô, dá pra tirar o cara. Em que hospital que levaram ele? - perguntava Luciano.

- Tá no João XXIII - respondeu Amilton.

- Então porra, vamo lá buscar o cara - insistia Luciano, mas era o único que pensava em salvar Del.

Lúcio começou a rir - Buscar de cu é rola! Passar é o cerol, sem dó.

- Ai, galego. Tenho medo de cara feia não - falou Luciano para Lúcio, que ria - Tô falando, porra. Se matar o cara vão tretar é comigo.

- Demorô - respondeu Lúcio tirando a Ponto Quarenta da cintura.

- Ou, ou, ou, ou. Parou! Calma ai gente - apaziguava Rogério. - Aqui todo mundo é correria mano. Tem mais homem ou menos homem aqui não. Luciano, parceiro, o cara vacilou, cê sabe como é que funciona cara. Tem só bandido nessa porra. Tem nenhum Junin aqui não.

- Tem eu, caralho - disse Junin. Todos riram. O que serviu para aliviar um pouco a tensão, Lúcio guardou a arma de volta, encarando Luciano.

- Tudo sujeito homem. Bicho solto - concluiu Rogério.

- Vacilou tem que pagar - disse Rubão.

- Quem tá de acordo de queimar o vacilão? - perguntou Lúcio já levantando a mão.

Todos concordaram, exceto Luciano.

- Vai ter volta isso daí, galego - disse Luciano apontando o dedo em riste para Lúcio. - Vou esquecer não.

- O dia que cê quiser, neguin - respondeu Lúcio, sorrindo.

- Como vai ser feito? - perguntou Dagmar, o Coisa Ruim.

- Uai, Coisa. Tem segredo não - respondia Lúcio. - A troca da guarda é feita por volta das quatro da manhã. A gente vai de mulão às três e meia e pega eles cansados, doidos pra ir embora.

- Você quer matar os policias? - perguntou Jura surpreso.

- Uai sô, querer, eu sempre quero - ria Lúcio. - Mas não. Se a gente mata um deles aí que vira um inferno mesmo. Não. A gente chega de máscara e rende os cara, uns quatro sobe, encontra o quarto, e eu mando o vacilão pro inferno - fez com a mão como se fosse um avião - Passagem só de ida pra ver o capiroto.

- Vamo fazer isso hoje? - perguntou Amilton.

- Por que, santa? Tem coisa melhor pra fazer? - respondeu Lúcio. Amilton olhou-o com raiva.

- Não, veado. Só tô perguntando mesmo - reagiu Amilton.

- Tem que ser hoje - respondeu Rogério.

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*

- Hum! - gritou Bruno com fúria, enquanto ejaculava dentro de César.

- Isso! Goza! Dentro de mim, gostoso! Dentro, vai! Me arromba! - gritava César, louco de tesão por sentir o corpo jovem, suado, musculoso e cheio de tatuagens do jovem que há poucas horas havia conhecido, era a primeira vez que ele deixava outro homem penetrá-lo.

Pensava mais constantemente em Amilton, tanto que a memória passava a torturá-lo de remorso, culpa e arrependimento por ter matado o rapaz que o amava tanto. Com as lembranças do amor de Amilton, voltaram também as lembranças de seu antigo ser, que há tanto ficara pelo meio do caminho, notara, para seu desespero, que: ele havia traído e matado várias pessoas para chegar onde estava agora, que era onde ele sempre sonhou chegar, tinha riqueza, era respeitado, hétero casado com uma linda mulher e pai de um filho branco, com certeza morreria como um homem digno, e com certeza lamentariam sua morte.

E pela primeira vez na vida, sentia que não precisava provar mais nada para ninguém, exceto para si próprio, entretanto, residia ai mesmo o problema, quem? Ele era. E sentiu com amargor que uma das vítimas que seu caminho lhe trouxera, fora ele próprio, o Rogério, que jazia morto em algum lugar do passado.

- Cara - exclamava Bruno, deitando-se ao lado de César, ambos ofegando - Você deve ser, tipo, o quarto hétero que eu como só naquela academia.

César gargalhou - É pra isso que você vai lá?

- Não. Mas mano, se você for veado, e quiser trepar na escondida, melhor lugar é academia. A maioria desses caras grandões ai, é tudo bicha louca! - e riu, passando a mão nas costas arranhadas de César - Nossa! Eu te arranhei todo cara, foi mal, César.

- Problema não - gemeu César pegando no sono. - Me chama de Rogério.

- Rogério?

- É. Pra você eu vou ser sempre, só Rogério.

- Que tara é essa? Eu já vi muita coisa esquisita, mas essa é a primeira.

- Eu quero que me chame de Rogério.

- Se isso for medo de eu contar pra sua esposa, ou deixar escapar pra alguém pode ficar tranquilo, discrição é meu segundo nome.

- Não. Não é isso, não - falou César acariciando o rosto do amante. - Eu sempre quis me chamar Rogério. Me chama de Rogério. Vai gatinho - beijou-o -, me chama de Rogério.

- Tá bom - Bruno ria sem entender o desejo do amante -, Rogério - disse rindo.

- Fica lindo o meu nome nessa sua boca linda - beijou-o de novo.

- É. Mas eu vou pôr outra coisa agora na minha boquinha linda, Rogério.

César riu, enquanto segurava a cabeça do jovem que descia pelo seu corpo.


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POLICIAL INVESTIGATIVO:

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A Vingança de Mendelssohn

Policial; Mistério; Suspense.

69.000 palavras; 413.000 caracteres; 216 páginas de word.

21 capítulos.

30 de agosto

A luz em tons alaranjados, que irradiava dos postes dos jardins da frente da casa, entrando pela ampla sala de estar, empregava um aspecto bucólico e sombrio á tapeçaria, e ao piano no canto esquerdo do cômodo: um calda longa, típico do gosto cafona de um "nouveau riche", que em nada combinava com o restante da decoração, e quem entrasse pela primeira vez na casa, não entenderia seu significado mais óbvio, de que ali, não era um piano, mas uma lembrança, um troféu, como os cornos de veados abatidos, dependurados nas antigas casas monásticas da Prússia.

Fora da casa, a despeito da chuva fina que caia, ouvia-se misturado aos sons da noite, mais escura que o habitual, as notas da música "Sonhos de uma noite de verão" do compositor inglês Félix Mendelssohn.

Saindo de dentro do carro, os dois policiais, esforçando por aquecerem-se, estranharam a música. Um deles reclamava por não haver, sob sua opinião, necessidade da urgência com a qual o outro agia.

O sangue que escorria pelo chão da sala, brilhava mais intensamente sob a luz fraca que vinha de fora. Aos olhos dele: nunca um sangue morto pareceu tão vivo. O bebê no chão, no centro da sala, tinha seu choro abafado pelo som da música alta, no último volume. Cristina atirada ao canto da porta, emitindo sons que mais pareciam grunhidos de animal acuado. Seu maxilar, estraçalhado pela martelada, pingava o sangue que afluía lentamente pela sala, sentia seu rosto queimar como se estivesse em brasa. Ainda ébria pelo vinho e pelo remédio, não conseguia distinguir a realidade de seus pesadelos recentes, e internamente não sabia se aquilo acontecia de fato, na verdade, pensava até que não poderia estar acontecendo, era só mais um sonho, só podia ser um terrível pesadelo, do qual logo iria acordar.

As lágrimas desciam de seus olhos atônitos, escorrendo por sua face, misturava-se ao sangue fresco. Sua cabeça pendia para a esquerda, como se estivesse pesada demais para manter-se ereta. Seu maxilar desfigurado balançava apontando para o chão um misto de dentes, carne, e dos cabelos de um louro clássico, que haviam grudado no sangue mal coagulado.

A fumaça do cigarro que queimava nos dedos do Diabo subia no mesmo compasso da música, como se dançasse em um ritmo demoníaco, que era acompanhado pelos movimentos dos dedos que o segurava. O Diabo permanecia sentado na poltrona de acolchoamento de couro preto, contemplando como um artista contemplaria o término da melhor obra. Não sentia remorso, satisfação, ou mesmo culpa, pelos atos que praticara. Enquanto calmamente levava o cigarro aos lábios, sabia que estava já muito distante da razão, aliás, estava distante de qualquer sentimento, era ali o Diabo encarnado e o inferno o acompanhava, e no inferno, não pode haver redenção.

Toda a cena que ele havia construído, cada passo que havia dado, o haviam trazido até este momento. Não por uma vingança em si, mas pelo final, tudo havia sido planejado e feito para aquele final específico. E a sensação de se chegar ao fim agradava-o. Mas os detalhes importavam menos que o resultado prático. Havia percorrido um longo caminho até a satisfação da vendeta, e agora, que finalmente a trama chegava a seu derradeiro ato: olhava para Cristina como um ator que olha para a pantomina que se desfez.

Ela permanecia inerte, apenas gemia. Ele olhava para o martelo ensanguentado aos seus pés, e para a criança que chorava no chão, o piano ao canto, que para ele, parecia retribuir seu olhar com olhares de satisfação ancestral, ao tempo em que a peça fora organismo vivo; - sim, era o piano o mestre de tudo, era ele quem sentia o prazer naquela obra. - O diabo pensou no capitão Ahab: - o que ele teria feito se Moby Dick, no momento crucial, morresse sem lutar? Se a besta há tanto caçada, apenas tivesse morrido... o que teria feito o capitão de sua vingança? Com quais objetivos viveria depois de tal desilusão? Não haveria para ele um lugar por onde recomeçar...

Mas o Diabo sabia que aquilo era o fim, não haveria mais para onde ir. Terminado o cigarro que tragava. Calmamente ele inclinou-se pegando o martelo ainda ensanguentado do chão. Levantou-se com calma, como se cada passo dado fosse o propósito final de sua vida, saboreava cada respiração. Fixando os olhos em Cristina, ele pega o bebê em seu colo, aconchegando-o.

Cristina, acordando do transe, levantou a cabeça e esticou os braços, enquanto soluçava como se implorasse para que a criança lhe fosse entregue. Mas o Diabo riu, olhando-a nos olhos, e com a mão ainda a segurar o martelo, ele apertou o rosto do bebê, sufocando-o. Ela tentou gritar, e num último arremesso de fúria, conclamando todos os músculos de seu corpo tentou se levantar de um salto, mas com as pernas ainda dormentes caiu de lado, batendo a cabeça no chão, o que faz seu maxilar estalar com violência no piso, quase se desprendendo de seu rosto. Ela chorava terrivelmente enquanto o Diabo, com a criança morta no colo aproximou-se dela. Lentamente ele se agachou e, pondo o martelo no chão, escrupulosamente levantou-a pelas axilas, colocando-a sentada na mesma posição em que há pouco estivera, escorada na parede.

Ela o olhava fixamente nos olhos, um olhar de ódio, de maldição, aqueles frios olhos castanhos, pegavam fogo novamente ao encarar o diabo, vermelhos. "Se os olhos dela tivessem mãos" pensou ele, "ela me mataria agora com os próprios olhos". Ele pôs a criança morta nos braços dela, e afastando o maxilar destroçado, com as mãos envolveu seu pescoço, lentamente aumentando a pressão, olhando-a nos olhos. Mantendo-se bem próximo ao rosto de sua vítima, sentiu nas palmas das mãos que pressionavam a carótida da mulher, a respiração dela aumentando cada vez mais o ritmo, e conseguindo puxar cada vez menos oxigênio.

Os olhos dela pareciam querer explodir das órbitas. Ele sentiu as lágrimas e o sangue morno dela pingando em suas mãos, e caindo nos voluptuosos seios, os mesmos seios que outrora haviam lhe causado tantas dúvidas e desejos.

Viu enfim a vida deixar-lhe o corpo, de forma lenta e violenta. - Acabou - disse o Diabo. A peça havia chegado a seu termo, ainda que não houvesse o estrondo das palmas da plateia.

O Diabo levantou-se, ficando de pé, com a cabeça totalmente erguida para cima e mantendo os olhos fechados. Balançava suavemente a mão, marcando o ritmo da música...

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Capítulo_1 - Fantástica

Capítulo_2 - Dois copos

Capítulo 3 - Águas de março

Capítulo 4 - Relações temerárias

Capítulo 5 - Paredes que sangram

Capítulo 6 - Entre leões e hienas

Capítulo 7 - Escaramuças

Capítulo 8 - Adeus, jovem Coríntio

Capítulo 9 - Sombras na escuridão

Capítulo 10 - Dois lados

Capítulo 11 - Fortuito

Capítulo 12 - Tautologia

Capítulo 13 - Gotcha!

Capítulo 14 - A derrota de Giocondo

Capítulo 15 - 29 de agosto

Capítulo 16 - O Diabo

Capítulo 17 - Canções sombrias

Capítulo 18 - Entre árvores e espinhais

Capítulo 19 - Última ratio

Capítulo 20 - Lamia

Capítulo 21 - E não, não se esqueça...

Notas

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Capítulo 3 - Águas de março

A fumaça do cigarro subia vagarosamente da ponta em brasa, e o detetive da divisão de homicídios, Pablo Luiz Giocondo, de ascendência Hispânica, olhava preguiçosamente para o grosso filamento de cinzas que não havia ainda caído do cigarro. Estava sentado à sua mesa, e pela janela podia ver a chuva pesada que caía do lado de fora do prédio, encerrando o verão do ano de mil novecentos e noventa e sete. Até então estava sendo um ano tranquilo, mas a confusa história de seu último caso ainda perturbava seu espírito. Seu turno já estava no fim, e ansiava por chegar logo em casa, onde sua esposa o aguardava com um bom prato de mariscos cozidos no vapor com ervas aromáticas. (4)

Era um homem de idade, por volta dos sessenta anos bem vividos, de compleição forte e barriga levemente protuberante, mas nada que destoasse de seu tamanho, que era considerável, usava sempre o mesmo paletó da cor marrom escuro para trabalhar, e sempre mantivera o bigode cheio. Ainda que se barbeasse todos os dias, orgulhava-se do bigode, que o fazia assemelhar-se ao cantor Belchior, de cujas letras, muito famosas em sua juventude, era um apreciador contumaz. Era policial há vinte e quatro anos, e dezenove destes, passados como investigador na divisão de Homicídios da polícia civil. Contava nos dedos o período que faltava para se aposentar, e poder enfim se mudar para a casinha no interior que tanto ele e a esposa adoravam: Criar galinhas, e quem sabe, plantar azeitonas, mesmo que a planta não se acostumasse muito bem ao clima mineiro, mas havia conhecido um homem que conseguira ambientar uma espécie de oliveira no sul de Minas, e gostava de alimentar essa ideia de uns tempos pra cá.

Deixou o telefone tocar cinco vezes antes de atender, na esperança de que outro de seus colegas o atendesse, mas, como ninguém atendia, e o barulho do toque insistente do telefone não diminuísse, apesar da força mental que ele fizera para tal, atendeu, não disfarçando o mau humor, que aliás, lhe era profundamente característico.

- Alô! - disse ele, secamente. - Tá. Cerca o local. Hunhum. Cerca o local - disse de forma mais agressiva. - Tô indo pra aí - desligou o telefone, enquanto bufava e se levantava, apertando a guimba de cigarro no pesado cinzeiro de ferro em cima de sua mesa, passou a mão no paletó, que guardava o acento da poltrona e vestiu-o, com impaciência e raiva, por ter que lidar com um caso de assassinato em um dia daqueles, em que o céu parecia cair na terra, na forma de gotas em Belo Horizonte.

"Danilo!" gritou à porta da cozinha, chamando pelo parceiro, bem mais jovem, que tomava um café e brincava com os colegas no fim do turno.

- Fala, chefe - falou Danilo.

- Temos que ir lá pro Mangabeiras. Acharam um corpo lá - respondeu Giocondo, não disfarçando a irritação.

- No parque? - perguntou Danilo, pondo a xícara dentro da pia.

- Não - respondeu Giocondo, com um bufar enfadonho. - Na mata. Lá em cima. Pra variar, mataram o sujeito no meio da porra do mato. Só peço a Deus que não seja muito em cima da serra...

- Ai, que saco - gemeu Danilo, aproximando-se do parceiro. - Mais um dia no paraíso - disse ele, voltando o rosto com um sorriso para os companheiros que tomavam o café com ele, e sabiam do mau humor, já quase legendário, de Giocondo.

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TERROR:

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ANTES QUE EU ADORMEÇA

Vampirismo; Loucura; Terror Histórico.

122.000 palavras; 734.000 caracteres; 351 páginas de word.

34 capítulos.

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 - Capítulo 1 -

Uma negra descia a trilha aberta no matagal, em direção ao centro da cidade. Lutava por equilibrar o cesto que levava à cabeça. Escorregando em seu chinelo de dedo, feito com tiras de sobras de couro velho e calçado de madeira. O sol mal tinha começado a brotar do horizonte, e ela, que se chamava Izabel, em homenagem à princesa Imperial, podia sentir o tocar gelado das gotas de orvalho, ainda pendendo nas folhas do mato alto, em suas pernas, já acostumadas ao arranhar da gramínea. De longe podia ver a baía e o mar, sutilmente revolto, além dos pequenos barcos pesqueiros, que já voltavam de seus ofícios, descarregando o pescado matinal, que dali a algumas horas seria comercializado nas bancas do efervescente comércio de rua da capital da jovem República.

Era o ano de mil oitocentos e noventa e nove, e o Brasil, havia pouco mais de uma década, deixara de ser um Império e tornara-se uma República oligárquica, controlada, primeiro, pelos marechais do exército, que trabalhavam ao comando dos barões do interior, dos sertões, das Minas Gerais e de São Paulo. Em termos simbólicos, já seria possível sentir o cheiro do café e do leite, a pairar sob os ares do novo século que chegava. Mas era a espada, ainda fremente, que detinha o poder.

A cidade do Rio de Janeiro na virada do século XIX para o XX, mais se assemelhava a uma ilha de gentes mais ou menos brancas, vivendo dentro de uma aglomeração semi urbanizada, apertada e de ruas estreitas: mal iluminadas, e mal cheirosas, mas que em paradoxo, afoitamente buscava o reconhecimento de ser uma metrópole europeia, desesperada e mimeticamente imitando a Paris, e a Washington; mas rodeada por verdadeiras cabanas, que mais tinham a ver com as moradias dos antigos Tupis, que ali habitavam antes da conquista Lusitânia, do que com o ideal fino e aristocrático com o qual se identificavam os habitantes do centro.

Viviam nessas cabanas principalmente os negros, mas também os pardos e qualquer outro que por um ou por outro motivo não era aceito na cidade: doentes, ou gente sem família, sem emprego, perspectiva, dinheiro, poses ou nome, enfim, viviam à tangente do Estado, e a mercê da própria sorte. A abolição da escravatura, que houvera sido retardada, pelos mesmos barões que hora controlavam a República, por mais de vinte anos, chegara quase que simultaneamente à derrocada do velho monarca imperial, mas ainda sim, chegou de repente, e nenhum preparativo fora feito para absorver a numerosa mão de obra que se libertava, preferiu-se branquear a população brasileira com imigrantes europeus, e relegar os negros às florestas, talvez na esperança de que lá viessem a morrer.

Os negros, em sua maioria, viviam ao redor da cidade, alguns conseguiam trabalhos, quase sempre mal remunerados, com cargas horárias diárias superiores há quatorze horas, e quase sempre os serviços eram àqueles que os outros trabalhadores livres, brancos na maioria, recusavam-se a realizar pelo valor pago e nas condições oferecidas. Mas a maior parte dos antigos escravos vivia da mendicância; de pequenos furtos e cultivando a terra ao lado de suas taperas. À grande maioria das mulheres negras jovens, se fossem bonitas, cabia o destino de servir de carne viva para a satisfação dos apetites vorazes das volúpias dos sebosos e ignóbeis representantes da fina cultura de lá de baixo, no centro urbano, servindo hora aos velhos e honrados pais de família, hora como desvirginadoras dos incautos rapazes, o que ajudava a miscigenar ainda mais esses confusos aglomerados que surgiam nos morros ao redor da capital.

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- O almoço já, já, será servido- disse Lucília, para o filho e o  - Mostre ao seu amigo o quarto de convidados e desçam.

- Tudo bem - respondeu Capistrano, levando Astolfo para o andar de cima.

"Esse é o seu quarto", falou ao abrir a porta do quarto de hóspedes, que ficava logo depois do seu.

- Ai, Deus - disse o amigo, atirando-se sobre a cama. - Uma cama que não se move.

Capistrano riu.

"Meu amigo" comentou Astolfo, apoiando a cabeça na mão com o braço dobrado sobre a cama, "você não havia comentado sobre essa 'irmãzinha'" ele mordeu o lábio inferior, sorrindo.

- Nem pense nisso - respondeu Capistrano, fechando a cara, e batendo com força a porta do quarto.

Capistrano abriu a porta do próprio quarto, iluminado pela luz solar que entrava pelas grandes janelas abertas, reviu o antigo mobiliário, pouco diferente dos de sua lembrança, avaliou as dimensões do cômodo, e sorriu ao constatar que seu pai, tão reticente às mudanças, havia implantado a luz elétrica na casa. "De certo por insistência da mamãe" pensou, passando a mão na cheirosa e macia colcha em sua cama. Em cima do travesseiro, encontrou um pequeno livro de capa azul desbotada, pegou-o, estranhando encontrá-lo ali, mas lembrou-se logo dele, O Guarani, de José de Alencar. Abriu-o sorrindo, e encontrou dentro dele um bilhete escrito a mão, com uma belíssima escrita cursiva, de letras arredondadas, mas que houvera sido escrito com pressa ou com muito sentimento, posto que as linhas estivessem tremidas, dizia:

"Peguei emprestado. Mas já devolvi. Espero que não se incomode... M."

Sorriu, ao concluir que o bilhete fosse da menina que deixara anos atrás, com raiva por sua partida.

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Kokoa caminhava sozinho pela mata fechada, vestia-se como um homem branco, e a única coisa que o distinguia dos demais, era a pena que levava presa ao chapéu e o enorme colar que trazia ao pescoço. A mão, ainda forte, ricamente ornamentada por anéis e pulseiras, carregava um grande saco de pano. A trilha que seguia, apesar de não ser nova, era bastante fechada, posto que não fosse habitual a passagem por ela, apenas em ocasiões de suma importância. Estava indo até a Oca da Mãe Iberê: velha 'mãe de santo' que enfeixava em suas rugosas mãos, os ritos e magias da sincrética religiosidade praticada pelos que viviam à margem das liturgias oficiais. E levava, como de costume, dentro do grande saco de pano, os presentes que ofereceria pelas boas graças das divindades. Mãe Iberê era a mais antiga moradora do morro, dizia-se que ela contava para mais de cem anos, e que descendia diretamente do Quilombo dos Palmares, nunca sentira as costas a ponta de um chicote, ou nos tornozelos o gélido peso dos grilhões.

Em frente a grande Oca, construída de forma semelhante à sua própria, Kokoa encontrou dois 'guerreiros de Ogum', a fazer às vezes de guardas; trajavam grossas mantas de algodão branco, e jaquetas de pele de animal, com turbantes azuis sobre as cabeças, e seguravam grandes azagaias (3) em riste, e facões presos aos cintos, com os pés descalços.

- Balauê Kevê! - cumprimentou Kokoa, respeitosamente aos guardas, em sua própria linguagem meio inventada e meio adquirida. - Vim falar com Mãe Iberê.

- Que oferece? - perguntou o guarda mais escuro.

Kokoa ajoelhou-se na terra, para retirar do saco um dos presentes. Um vidro de aguardente, que foi logo oferecido aos guardas.

Um dos guardas pegou a garrafa, enquanto o outro entrou na Oca, atravessando o portal protegido pelas cortinas de miçangas que se arrastavam ao solo. Kokoa, de pé, ajeitou dentro do saco os outros presentes, parando a mão sobre a galinha viva, amarrada pelos pés, dentro do saco, que se agitara.

- O Rei pode entrar - falou o guarda que voltava de dentro da Oca.

O interior da Oca era confusamente decorado, havia altares para os mais diversos Orixás, alguns para os Deuses indígenas, alguns outros para os santos católicos, em especial São Jorge e Nossa Senhora da Aparecida. Em meio ao aspecto lúgubre do local esfumaçado, erguia-se ao centro, dominante, uma grande cruz cristã, posta no centro de um quadrilátero de pedras empilhadas em três degraus. Mãe Iberê fumava um grande cachimbo, sentada numa enorme cadeira feita de bambu, tanto na armação, quanto no assento e encosto, em tiras finas. Trajava apenas a longa saia branca, e tinha os seios à mostra, que se confundiam com as dezenas de colares que trazia ao pescoço. Os cabelos, já brancos como nuvens, ficavam quase imperceptíveis ao se misturar no grosso turbante branco. Diversas moças, de várias idades, trajadas como ela, a exceção dos turbantes, que era apenas para as que já houvessem sido iniciadas nos sortilégios de conversar com o mundo espiritual, e se tornado nos sagrados receptáculos onde se materializavam os 'Santos', todas de seios à mostra, olhavam com curiosidade para o 'Rei'.

- Que deseja tu, Filho Rei? - perguntou a velha xamã, com a voz estridente, mas cansada.

- Venho em interesse de mim, e dos meus - respondeu Kokoa, respeitosamente.

- E qual regalo trás à porta da casa dos 'morto', menino Rei?

Kokoa ajoelhou-se, como fizera na entrada, para retirar os presentes que trazia dentro do saco de pano. Três meninas foram até ele, para pegar os regalos.

- Uma rapadura - Kokoa ditava os presentes, em voz alta, na medida em que os tirava de dentro da sacola e entregava nas mãos de uma das aprendizes da velha. -Uma cachaça, curtida no veneno de Cascavel, e no mel - a cobra morta estava dentro da garrafa. - Uma banda de porco defumada; Um bracelete d'oiro; Uma pele de Jaguatirica; Uma galinha d'angola; Fumo Branco (4); e Fumo de fogo santo (5).

Mãe Iberê assentiu com a cabeça, satisfeita com os presentes ofertados por um Rei aos santos que habitavam em sua casa:

- E qual 'frição' te 'prertuba' (6), 'fio' Rei? - perguntou ela, inclinando-se para ele e mantendo na boca quase sem dentição, um sorriso macabro, enquanto a fumaça do cachimbo passava pelos vagos de dentes nas gengivas meio enegrecidas.

- É o mal antigo mãe - respondeu Kokoa -, que volta agora. Caçando meus 'fio' no 'breu' da noite.

- Hummmm... - gemeu a velha, enquanto algumas jovens feiticeiras jogavam ao fogo as folhas do Fumo de fogo santo, cuja fumaça inebriante logo encheu o lugar. E outras, as já iniciadas, preparavam à mesa a mistura que seria tragada pela velha, no grande e antigo cachimbo de madeira.

- A praga dos 'branco' - continuou Kokoa -, voltou a devorar meu povo, mãe. 'Perciso' que Oxóssi 'alumêia' meu caminho pela floresta densa. E que meu corpo fica fechado pelos 'braço' do pai Xangô.

- Humhum! - exclamou a velha, contorcendo-se na cadeira. Foi-lhe entregue o cachimbo acesso, queimando a mistura de ervas alucinógenas. Ela tragou com força, por quatro vezes, antes de soltar o cachimbo para outra de suas aprendizes, que a tudo olhavam com interesse.

"Ôoooahá" falou Mãe Iberê, cochichando algo indiscernível, para si mesma. "Índocô! Chamô. Xangô" repetiu duas vezes, antes de começar a tremer de corpo inteiro. Levantou-se, como se puxada pelos braços por mãos invisíveis. De olhos fechados, andando, totalmente curvada, com o bico dos enormes e flácidos seios a apontar para o chão, em volta de Kokoa.

"Hum!" repetia, dando as voltas, gemendo e rindo de forma tétrica:

- 'Uncê' vai caçar o Diabo, fio - dizia a velha, com a voz rouca, intercalado as fortes respirações que dava com dificuldade. - 'Mar' vai 'percisar' de 'corage' e de muito bem pensar. Hum! A criatura é vil. Hum! - ela sacudia-se, gemendo. Virou-se de costas e voltou ao assento, em silêncio.

- Pai Oxóssi - pediu Kokoa -, penso que a praga botou os 'óio' na Izabel, mãe de dois 'fio' meu...

- Cuidado ela 'percisa' ter - respondia a entidade, ou a velha. - Onça depois que cheira 'num' larga sem levar pedaço... Óhoooorrroooouuê, Hum! - Mãe Iberê respirou fundo, e abriu os olhos em sequência:

"'Uncê'" ela disse com sua voz normal, "vai 'percisa' de ter muita 'corage' nessa empreitada. Tira a roupa que vou te ungir, e benzer".

Kokoa obedeceu e tirou toda a roupa de seu corpo, bem como ao colar e anéis.

De joelhos uma das meninas, a mais jovem, degolou o pescoço da galinha, colhendo o sangue morno que descia em uma gamela rasa de madeira entalhada. Com um ramo de salsa mergulhada no sangue de galinha, a velha respingou o corpo nu do Rei, depois, as outras o rodearam com as cumbucas onde queimavam as ervas ritualísticas, cantando enquanto empurravam com as mãos a fumaça na direção de Kokoa, de pé, no centro do círculo de pedras.

A Mãe Iberê, andando com dificuldade, ergueu sobre a cabeça abaixada do Rei um crucifixo, que balançava hipnoticamente:

"Nossa senhora da Aparecida te guarde" benzia ela, "São Jorge guia teu braço"; "Xangô te dê força"; "e que Oxóssi, caçador, te dê sorte", todos fizeram o sinal da cruz.

- Amém, mãe - falou Kokoa.

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 - Capítulo 4 -

Kokoa segurava com firmeza a espingarda calibre 22 nas mãos, havia passado a madrugada amolando o fio do facão que trazia à cintura para a empreitada. Liderava, aos primeiros raios solares, um verdadeiro exército de seus filhos, mata adentro, na caçada ao demônio que voltava a lhes atacar, com o mesmo ímpeto e voracidade que fizera há dezesseis anos. Entravam na mata fechada, ainda úmida pelo orvalho da manhã: quase cinquenta guerreiros de Oxóssi marchavam, junto ao seu Rei/Pai.

Juraci, filho que Izabel tivera com Kokoa, e um dos filhos prediletos do Rei, liderava o flanco esquerdo. Também portava uma espingarda, arma essa, reservada apenas ao Rei e aos seus prediletos. Chamavam-no a exemplo do pai pelo nome tribal de Kunnoah. Haviam todos sido benzidos da mesma forma que Kokoa. Caminhavam amassando em suas botinas gastas a folhagem molhada da vegetação rasteira, compenetrados e sérios, muito embora não soubessem exatamente ao quê caçavam; o Rei só havia dito para atirar para matar em qualquer coisa que parecesse estranho, ou qualquer bicho que parecesse feroz. Era a quarta incursão desse tipo que realizava só nos últimos dez dias.

Toda a comunidade estava preocupada e apreensiva, não apenas pelo estado sempre alerta dos guerreiros do Rei, que vasculhavam toda a parte, por todas as noites, sempre armados, como também pelo estranhamento causado pelo comportamento atípico de Kokoa. Muitos questionavam, não apenas seu estado mental, ao perseguir uma sombra, um espírito invisível, como também ao seu comando.

Do outro lado da expedição, liderando o flanco direito ia Kembelê, outro dos filhos prediletos do Rei, mais velho que Kunnoah, e regulava idade com Carlinhos, que era o predileto de Kokoa, e virtualmente lhe sucederia no 'trono'; este ia ao lado do pai, no centro da formação, que avançava em 'V' mata adentro.

- Esperem - falou Kokoa, levantando a mão esquerda espalmada, e abaixando a cabeça para ouvir os sons da mata.

- Para! - ordenou Carlinhos, único filho de Kokoa que não tinha um nome tribal. A marcha parou. Não estavam, nenhum dos flancos da formação, muito distantes entre si, e todos voltaram os olhos em silêncio para o Rei, de chapéu de palha com uma grande pena colorida afixada na parte de trás.

- Tá nos observando - cochichou Kokoa, Carlinhos volveu os olhos para as copas das árvores. Assobiando em sinal para que os outros também o fizessem. Facões foram desembainhados, azagaias apontadas para o alto, arcabuzes de um tiro preparados, pistolas seguradas contra todas as direções, e espingardas mirando o topo das árvores, concentrados todos, no menor movimento que pudesse entregar a posição da presa, que parecia caçar ao ser caçado, num tenso e dúplice jogo de paciência.

O silêncio mordaz da manhã se confundia com as abafadas respirações dos guerreiros, tensos e apreensivos, parecia-lhes que nenhum bicho da floresta ousava romper o silêncio. Nem mesmo o silvo dos ventos, tão comum no alto do morro, parecia querer se mostrar, escondia-se, em suspenso, esperando para ver o que aconteceria no embate entre o Rei e a fera.

Kokoa abriu o olho esquerdo, que estava fechado para fazer mira com o direito, e tirou o olhar do topo das árvores, passando os olhos em redor da formação, encontrou todos os seus filhos guerreiros em alerta máximo. Arrepiou-se ao ouvir distante, quase inaudivelmente, um rosnar famélico, misturado ao sussurro, que facilmente poderia ser confundido com uma fraca corrente de ar, cantando ao passar por rochedos ancestrais.

- Tá ouvindo? - perguntou para Carlinhos.

- Não tô ouvindo nada - respondeu o filho, 'príncipe herdeiro'.

- Ah! - gritou em pânico um dos homens da retaguarda do flanco de Kunnoah, na direção em que todos acorreram a apontar suas armas.

O grito fora tão formidável, e o barulho causado pelos outros, liberando raivosamente as tensões reprimidas ao ataque, que fez debandar uma coluna de pardais, voando da árvore em que passaram a noite, em confuso e sonoro bater de asas e chiados.

- É só uma cobra! - gritou Kunnoah para Carlinhos, o irmão com quem tinha maior afinidade e amizade, e também seu maior incentivador no romance com Lucila. - Tá morta, já.

Carlinhos olhou para o pai, que desviou o olhar furioso, respirando fundo, puxando com dificuldade o ar.

- Já escapou - garantiu Kokoa, mais uma vez frustrado. - Bora! - gritou com raiva, voltando na direção do acampamento.

Os filhos trocaram olhares confusos. Kembelê sorriu para seus homens, partidários de suas pretensões à 'coroa' do pai, sendo visível sua consternação de escárnio às intenções do pai naquela caçada, que para ele, não passava de delírios de homem velho. Era ele quem espalhava os maldosos comentários sobre a incapacidade do velho Rei.

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 O pátio não passava de um quadrilátero de aproximadamente vinte metros quadrados, com meias paredes a ladear os cantos, servindo de assento aos internos. Empesteava o ar o fedor acre de suor, urina e fezes que se misturava aos cheiros, geralmente de cebolas assadas, que vinham da cozinha. Não demorou até que, sem a menor surpresa por parte do diretor, dois dos mais frágeis médicos, fizessem caretas de náuseas e, para disfarçar os odores, cobrissem as narinas com a barra de seus jalecos.

Capistrano não se incomodou com as condições de higiene do local, já havia visitado estabelecimentos semelhantes na Áustria, e na verdade, ansiava tanto pelo emprego, que até sentiu-se confortável ante o cheiro da degradação provocada pela desumanização contínua daqueles seres que, outrora, no alienígena mundo do lado de fora daquelas muralhas, houvessem sido humanos. Alí, perambulando sem rumo, sem objetivos e sem distrações quaisquer que fossem, tornavam-se paulatinamente invisíveis, e invariavelmente, sentiam escapar-lhes por entre os dedos da memória, toda e qualquer noção que em algum dia pudessem ter tido do que significava ser humano; e com a passagem do tempo diferentemente sentida para cada perspectiva isolada, chegavam até mesmo a crer que de fato fossem invisíveis, e como os outros não pudessem vê-los, passavam, não raras vezes, a viver como se também não vissem aos outros, chegando até mesmo a ignorar a própria consciência de si mesmos.

Lucindo caminhava lentamente, desenhando com seus passos um perfeito círculo ao centro do pátio, observando com extrema cautela o diretor e aos médicos. No geral os internos eram dóceis, mais compenetrados em si mesmos do que no mundo externo do de suas mentes; alguns tentando proteger os últimos fragmentos da razão, outros se entregando à loucura, estabeleciam um complexo e imaginário mundo novo, do qual, não raro, eram os soberanos absolutos. Mas precisava garantir a segurança dos visitantes, e rezava para que, naquele dia em específico, nenhum dos internos causasse distúrbios, ou mesmo atacasse aos médicos. Seguia pela imaginária linha que desenhara em formato circular no centro do pátio, com as mãos cruzadas sobre o cassetete às costas, tenso e apreensivo atrás do grosso bigode.

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 O burro seguia vagaroso, trilha abaixo, e Kokoa, embora se sentisse cansado, julgava ter passado mais uma vez incólume pelo ataque da besta. Na última vez que havia visto o tenebroso cavalo, na noite da antevéspera, pareceu-lhe que este o estivesse a abandonar, sempre distante e, diferente das outras vezes em que lhe havia aparecido, não ria, não falava, e nem mesmo o rosto, grotesco, o fitava com o mesmo ar ameaçador de ódio; por todo o dia apareceu-lhe distante, de olhos vívidos, como se assustado.

O Rei sentiu a força viril de seu corpo retornar na véspera, bem como a completa lucidez de seu cérebro. Parecia-lhe ter recobrado em um sopro toda a antiga força da juventude, e sentia-se mais confiante e mais determinado que nunca.

As sombras da noite já desafiavam a raleada luz solar, que rapidamente perdia terreno, conferindo ao ar uma estranha e sepulcral coloração acinzentada, como se fumaça ou a neblina estivesse a tomar conta dos céus.

- Aááááááááá hummmmmmm óááááoooooo aaaaahnnnn - Kokoa ouviu sussurrar o vento, em seus ouvidos. Fez parar o burro, arrepiando-se, passando as vistas com calma e escrutínio pela mata fechada ao lado direito da trilha, no sentido da cidade.

- Kokoaaaaa Rrrrrrreeeeiiiiiii - ouviu novamente, girando rapidamente na cela do animal em que montava, de olhar grave, mas nada via, embora sentisse a presença.

- Ôooooaaaaaaaaa - sussurrava a rouca e diabólica voz.

- Onde tá? 'Mardito!' - gritou o bravo Rei, retirando do cinto a pistola, engatilhando-a, e continuando a observar ao matagal.

- Háháháháháháháaaaaan háháháháhá - ria a voz em resposta. Kokoa sentia o suor pingar de sua testa.

- Aparece! - ordenou, em vão.

- Ooxxóóóóóssssiiiiiiiiiiiii hummmmn eeeeeeeeeeeeeeeeeeeee, háháháháhá ahnnnnne eeh Rrreiiii, deeee, quêêêêê? - tornou a voz, gutural.

Kokoa sentiu o coração palpitar no peito, ao divisar no pequeno riacho que cortava a trilha, uma égua a pastar. Transpirava e ofegava com força, ante a recordação do reconhecimento do animal, que olhava para ele, sem nenhuma expressão que fosse. Reconheciam-se, o Rei e a égua de pelo castanho, com a mesma marca de raio em pelo branco na testa, era a origem de seu medo por cavalos: Quando menino de colo ainda, nas fazendas do interior do Sudeste da Bahia, onde era escravo, foi levado pela mãe em fuga cerrado adentro, junto de alguns outros negros; perseguidos por Capitães do Mato, que partilhavam dele a cor, mas não a posição social, foram encontrados no decorrer de uma semana de dura jornada, em vão correram; ele no colo de sua mãe, que o abraçava com força, quebrando no braço os galhos espinhosos e secos da vegetação. Só se lembrava de ouvir as agoniantes e desesperadas respirações da mãe, e de ver por cima dos ombros dela, a gigantesca figura do homem de chapéu e poncho de couro cru, a cavalgar a égua em fúria, em sua direção. Ainda hoje podia sentir o tranco em seu corpo, ante o pesado bater do peito do animal nas costas de sua mãe, derrubando, a ela e a ele.

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 Izabel suava frio em sua cama, a despeito do calor trazido pelos ventos quentes da noite profunda. Havia abandonado sua antiga casa, onde agora se amontoavam de qualquer maneira seus filhos; o mais novo, bastardo do senhor Diaz, o pequeno galego de nome Jorge, havia morrido de desinteria provocada pela cólera, e ela sequer o havia enterrado, deixando aos vizinhos e aos filhos mais velhos, a tarefa de cuidar da outra de suas filhas, mais nova que Lucila. Morava agora no mesmo quartinho nos fundos de sua bodega que antes servira de morada à Lucila.

Via no sonho que a perturbava, seu próprio rosto sulcado pela insônia que lhe punha à magro a pele, colada aos ossos, apodrecendo em vida, atirada na margem do córrego, como o homem que há tempos havia visto. Nenhum ser obscuro a estava a devorar como em outras vezes que havia tido semelhante sonho, mas os vermes devoravam lhe as faces com furioso apetite, ao ponto de poder ouvir o roçar deles por sua pele, como o barulho de cupins a devorar madeira seca.

Acordou sonolenta, sentindo a vertigem de estar alta demais, arfava com dificuldade, e sentia o corpo molhado. Andou cambaleante, com as vistas a falhar, até o fogão de lenha, donde uma enorme cobra, enroscada no ferro que encimava o fogão, para defumar as carnes, a passou a observar, com seus olhos fixos.

Ela estremeceu-se ante a grotesca cena, a cobra cor de carne crua, se aproximava lentamente, olhando-a nos olhos, e o cheiro de carne podre a fazer arder suas narinas. Olhou para si, baixando os olhos para o corpo e viu-se ensanguentada. De susto, volveu de volta os olhos na direção de onde estivesse a vir o réptil, e nada viu, a não serem as linguiças a pender no bastão que encimava as trempes do fogão. Olhou de volta para o corpo, e viu que, com efeito, estava molhada, mas não de sangue, e sim de suor e urina fétida, iluminada pela luz azulada a entrar casa adentro, na esfumaçada presença da cerração noturna, por um barulho crescente de um impertinente grilo.

- Iiiiiizzzzzzaaaabeeeeeeeeeeelllllll, humnnn, aaaaaaaaaaaaaaaaaah - ouviu dentro de sua cabeça, sua própria voz a sussurrar.

Balançou com força o crânio, apertando os olhos; ofegava, a sentir a onda fria de suor a refrescar seu corpo encharcado. Tudo desaparecera, a cobra, o grilo, e os vermes que há pouco parecia ouvir abaixo do couro cabeludo, como se estivessem a devorar-lhe o cérebro.

Passou a mão na garrafa de cachaça e desarrolhou-a com a boca, bebendo um grande gole, enquanto parte do líquido escorria pelos cantos de seus lábios secos.

Foi até o fogão, destampando a panela de ferro, onde alguns pedaços purulentos de linguiças estavam a ser devorados por larvas varejeiras; pegou um gomo com a mão, fitando com indiferença aos vermes que nela se contorciam. Meteu-a na boca, inteira, mastigando com vontade.

- Vemmm praaaa miiiiiiiiiiiiiimm - repetiu o sussurro. - Iiiiiizzzzzzzaaaaaabeeeeelllll ouhouuuuuuuuuuuaa, hãnnnnnnnnahaaaa.

Izabel olhou pela janela aberta, para a mata, donde viu a si mesma, de vestido branco e limpa, mais limpa do que ela costumava a ficar, antes de começar a negligenciar por completo a própria higiene.

A Izabel de branco, que entrava na mata, virou-se para a Izabel em ruínas de dentro da casa, olhando para ela com um sorriso a estampar a cara, e com os mesmos olhos ofídios que divisara a pouco, na grotesca cobra de sua imaginação.

Izabel entrava na floresta fechada, de pés descalços, e de vestido branco: virou-se outra vez para a Izabel de dentro, que a observava boquiaberta, hipnotizada, chamou-a com a mão aberta, em suaves movimentos.

- 'Vamo' lááááááááá - repetiu sua mesma voz em seu ouvido, mas dessa vez, vindo de fora de sua cabeça, da cobra que reaparecia ao lado de seu rosto na janela.

- Vemmm praaaa miiiiiiiiiiiiiimm - parecia sussurrar o vento.

Izabel passou a perna, sem dificuldade pela janela, em seguida outra, perseguindo a si mesma mata adentro.


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 Lucila ouviu o galo cantar por três vezes antes de abrir os olhos, o pequeno João Guilherme, depois de uma noite de sono inconstante, dormia tranquilamente em seu berço de madeira maciça, dado por Diaz. Ela sentia-se cansada, e a chuva fina que caia, provocando uma agradável sensação de frescor e a produzir um relaxante barulho ao tocar nas folhas das árvores, convidavam-na a continuar deitada.

Levou a mão para baixo, encontrando a cabeça do inseparável Coquinho, desperto e alerta, como o bom cão que era. Ela puxou o ar para dentro dos pulmões em uma longa respirada, espreguiçando o corpo com os braços para cima; estava feliz, apesar das agruras muitas de seu cotidiano. Ergueu-se na cama, ficando sentada enquanto esfregava os olhos.

Da soleira da porta, Izabel a observava, de olhos vidrados.

- Mãe? - assustou-se a menina, que levantou de um pulo, enquanto a mãe ia em direção da cozinha da bodega ainda fechada, seguiu-a, acompanhada pelo cachorro, de pelos arrepiados, sério, mas sem rosnar.

"Mãe, onde a senhora 'tarra'?" perguntou apressada, levantando-se de pés descalços.

Izabel mexia nas panelas ao fogão, de costas para ela, sem nada responder, ou mesmo ignorando a presença da filha.

- Mãe? - tornou a chamar Lucila.

Izabel esticou a coluna, que mantinha meio curvada, levantando a cabeça na direção do teto do barracão, assim permanecendo, imóvel.

- Hummmmhummmhummm, hummhummmmhummmhummhum - cantarolava a mãe, balançando quase imperceptivelmente o tronco, com a cabeça voltada para cima, usava um vestido branco, níveo como o gesso.

Lucila aproximou-se devagar. Coquinho, apreensivo rosnou na direção do fogão, permaneceu de músculos tensos, prontos para o ataque.

- Hummhummmmhummm - continuava Izabel.

- Mãe? - cochichou Lucila, puxando delicadamente o ombro da mãe para sua direção.

Izabel virou-se acompanhando a mão que lhe puxava.

- Hummmmmhummmmhummmm - continuava, de frente para a filha, com a cabeça erguida para o teto, balançando o corpo de forma mais contínua. - Hummmmmhumhumhummmmmmmm.

- Mãe - gemeu Lucila, chorando -, o que tá acontecendo, mãe?

- Hummmmmmmhummhummmm - continuou Izabel, abrindo e fechando os braços, como se voasse. - Hummmmhummhummmm.

- Mãe, para com isso - implorou Lucila, em desespero.

- MATO 'UNCÊ' 'MARDITA'! - gritou Izabel de uma vez, virando para a filha o rosto distorcido pela fúria cega, e avançando com os braços erguidos contra a menina.

Coquinho rosnava e latia furioso, enquanto Lucila, de costas, gritava e recuava ao ataque da mãe, até cair ao esbarrar contra a parede.

- Não, mãe! - implorou Lucila, protegendo-se com as mãos ao rosto, chorando copiosamente.

Quando lucila abriu os olhos, ainda sentindo palpitar o coração, e não tendo sentido a mão pesada da mãe a esbofetear seu rosto, percebeu que apenas Coquinho estava com ela, mas ele continuava a latir e rosnar contra o fogão de lenha.

- Mãe? - sussurrou a menina, apavorada. - Mãe, 'uncê' tá ai? - silêncio.

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- Capítulo 23 -

As sessões de hipnose em Floriano já duravam quatro meses, desde pouco antes de o primeiro filho do médico nascer, eram feitas regularmente às segundas feiras, na parte da manhã. Capistrano não tinha ainda assumido a chefia da direção do Hospital, e nem Nabuco houvera ainda se retirado, posto que só o fosse fazer ao meio daquele ano, mas a nova conjectura de apaziguamento político, bem como ao desenlace que se deu no caso de Sofia Leles e Astholfo Penã, produzira um clima mais agradável de trabalho, ameno até. O que possibilitava ao jovem médico exercitar sua tão aguardada cura pela fala com o paciente de número 47, diagnosticado com histeria pós-traumática, e tendências ao suicídio.

Afora ter lhe contado, às primeiras sessões, que duravam cerca de uma hora, sobre a infância; o difícil relacionamento com o pai e os irmãos; a grande desilusão amorosa que o atirou de forma tão precipitada aos braços da guerra; e a contar de forma pormenorizada e, diferentemente de quando estivera a contar lúcido, seus relatos eram feitos de forma pessoal, ao referir-se às suas impressões e experiências nos campos de batalha. Capistrano notara até então, que o paciente, além de dar especial ênfase aos mosquitos, cobras e sapos: fauna natural da região encharcada e pantanosa do Paraguai, parecia sentir um especial prazer em relatar, dormente, o último suspiro que davam os mortos sob sua espada ou baioneta, entretanto, mesmo em estado de hipnose profunda, parecia relutar em contar sobre os principais traumas.

A demora não mais chegava a perturbar Capistrano: sabia que tal tratamento levava anos para produzir algum efeito significativo, e na verdade, até estava satisfeito com os progressos que ia alcançando a cavar a mente de Floriano Chaves, ex combatente da guerra do Paraguai; Capitão da reserva do exército brasileiro; oficial de polícia do Império; e o General dos loucos.

"Fui chamado na fazenda do senhor Queiroz Nóbrega Barreto" falava Floriano, imerso, deitado sobre o divã, em uma das salas especialmente preparada pelo médico para este fim, "de início não demos muita importância: um negro, de sua propriedade, havia desparecido, mas era fato comum à época: meados de 73. O velho estava abatido, parecia perturbado na alma, e dava sinais de demência. Sua casa, vazia de gentes, era vasta; com grandes e espaçosos cômodos decorados à moda vitoriana, donde a poeira, grossa como areia, e fétidas como as de um sepulcro, se acumulava nos móveis de madeira maciça, e um desconfortável cheiro rançoso de urina envelhecida, misturada ao odor da naftalina de suas roupas puídas, apesar de ele ser notoriamente rico, de certo que, era também notório sua avareza, empesteavam o lugar. Tudo isso enclausurado de forma abafada dentro da enorme casa fechada, ao ponto de nas paredes acumularem aos cantos, o bolor verde musgo; parecia que o velho, sem filhos ou esposa, tinha como companhia apenas aos mosquitos muitos que atazanavam lhe o rosto, obrigando-o a tentar afastá-los com o rabo empalhado de uma vaca, que fazia as vezes de um abanador. Era possível ver ainda, no peito de sua camisa, os restos de comida, da véspera ou, a julgar pelo estado em que estava, de muito antes."

- O senhor teve medo ao entrar na casa? - perguntou Capistrano, notando o aspecto lúgubre ao qual o paciente recorria para descrever a casa, e ao velho dentro dela.

"Não" sussurrou Floriano, que talvez, se estivesse totalmente consciente teria dado outra resposta. "Senti-me em casa, na verdade. Como se algo estivesse a chamar-me dentro de minha alma. Como velhos conhecidos que há tempos não se veem e logo se reconhecem. Almas ancestrais, a dançar nas trevas abissais" sorriu, respirando com satisfação.

"Mandamos, até de forma desaforada, que ele contratasse os serviços de algum capitão do mato, posto que para nós se tratasse de uma fuga corriqueira."

- E não era?

"Não" silêncio, sério.

- E o que era?

Profundo silêncio.

- O que aconteceu depois?

"Encontramos o negro, seu rosto estava deformado até a altura da clavícula, como se houvesse sido esmagado por uma rocha. Só pela marca à ferro quente de suas costas, pudemos descobrir lhe o dono. Mas quando voltamos a casa do senhor Queiroz, pouco menos de vinte dias após ter-nos chamado da primeira vez, constatamos uma mudança quase total, em sua personalidade: a casa agora ficava sempre aberta, mesmo à noite, estava tão decidido em fazer o vento passar por dentro de seus cômodos, que inclusive mandara retirar todas as portas e janelas; seu vigor físico parecia ter aumentado, pois saíra de seu estado letárgico de doente, e agora passara a fornicar até a exaustão com as jovens negrinhas de sua propriedade, as quais proibiu inclusive de usar muitas roupas, que lhe pudesse dificultar o coito; os olhos estavam fundos, e o rosto sulcado, com uma coloração amarelo manga. Pareceu não dar importância ao relato que lhe demos sobre termos encontrado o filho."

- Filho? Não era o escravo?

"Era o filho" riu de forma maliciosa, cochichando, "e era o escravo."

- Entendo. Continue:

"Ria de forma desvairada, e mesmo na nossa presença, levava a mão por baixo das curtas saias das negrinhas. Despediu-nos a jogar em nossa direção uns dez patacões, retirados de dentro de um saco, posto em cima de uma das mesas, aliás, todas as mesas estavam ricamente postas, com sobremesas, assados dos mais variados, pães e iguarias, muito embora, a julgar pela magreza de seus ossos, ele não estivesse a comer. Meu parceiro, depressa como uma raposa que se atira sobre uma lebre ferida, apanhou do chão as moedas e as guardou no bolso, julgando-o maluco."

- E o senhor não compartilhava da opinião dele?

"Sim" arfou. "Não" gemeu. "Talvez" concordou com a cabeça.

"Outro de seus negros foi encontrado dias depois."

- Da mesma maneira? - perguntou Capistrano, tentando entender como e por que, Floriano se julgasse, na primeira internação, o culpado daquelas mortes, muito embora o fato não tivesse sido anunciado nas descrições posteriores de suas outras internações.

"Faltava-lhe os rinssssssssss" respondeu, prendendo-se demais nos 'Ss'. Riu, e Capistrano ouviu o roncar de seu estômago, muito embora houvesse, há pouco, tomado o café com leite e pão, servido em desjejum pelas freiras.

"E os olhos" outro sorriso, que denotava profunda satisfação. "E o pau. Mas deixaram-lhe intactas as bolas."

- E o quê isso significa?

"Que ele houvera morrido" gargalhou até tossir, sem ar.

Silêncio.

"O velho morreu alguns dias depois."

- Assassinado?

"É possível, recebera o balaço da própria arma na têmpora direita."

- E o senhor continuou a investigar?

"Sim. Era-me impossível não ouvir os sussurros em minha mente."

- Quem sussurrava?

"Eeeeeeeeeeeeeeuuuuuu" sussurrou, com a voz rouca.

- Eu, quem? - perguntou Capistrano, notando que o paciente modificara a entonação da voz. Possível transtorno dissociativo de personalidade, anotou em seu caderno.

Silêncio ante a pergunta.

- Continuou a investigar? - Capistrano retornava a pergunta anterior.

"Descobri" continuava Floriano, com a voz normalizada, "que na morte dos dois negros, havia a constante presença de uma misteriosa mulher."

- E quem era essa mulher? Era ela a assassina?

"Hummmmmmmhummhummhumm" cantarolou Floriano, seguido de outro silêncio.

- Fale-me de tua esposa - tentou Capistrano, após esperar por quase cinco minutos que o paciente retornasse do silêncio em que se fechara.

"Margrette" sussurrou ele.

- Não era Rebeca? O nome de tua esposa, não era Rebeca?

"Rebeca? Sim. Margrette" respondeu Floriano, ofegando e a demonstrar dificuldade em puxar o ar. Capistrano deu-o tempo para que se acalmasse.

"Matamos todos" tornou a dizer, seus olhos fechados, lacrimejaram. "Defrontamo-nos em Nhu-guaçu, com um pequeno exército de guaranis, descamisados os indiozinhos todos, a brandir contra nós, com fúria cega, suas lanças, espadas maiores que a maioria deles, e os fuzis. Quase quatro mil deles. Por cinco horas de batalha, forçamos que o restante deles se rendesse; pouco mais de oitocentos. Gastão (31) ordenou e assistiu, pessoalmente, a degola de todos, crianças; velhos; mulheres, até mesmo as grávidas, que nos estava a enfrentar. Banhamo-nos em sangue guarani, ao longo de toda a nublada tarde..." silêncio.

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Floriano lavava as mãos sujas pelo trabalho de consertar tamancos que fazia diariamente no período vespertino. Sentia o corpo estranho, como se muitos quilos o estivessem a esmagá-lo por cima, suas juntas doíam mais que o normal, e o Bico-de-papagaio que constantemente lhe fazia queimar o cotovelo estava a doer mais contundentemente, a ponto de provocar nele pequenos e inaudíveis gemidos. Jogou a água fresca no rosto, queimado pelo mormaço, nas axilas e no peito, lavou os pés, esfregando-os fortemente com a bucha gasta, herdada de Sofia.

Queria aproveitar os últimos momentos da claridade do dia, para fazer suas anotações diárias; parte do tratamento aplicado por Capistrano: em que ele deveria todas as noites, antes de dormir, anotar no bloco de papel, com o lápis arranjado pelo médico, tudo o que passasse por sua cabeça, devendo exercitar a memória, e escrever sem filtros, o que quer que fosse. As anotações eram passadas ao Doutor todas as sextas feiras.

Sentou-se nos pés da cama de frente para a porta de sua cela, que ficava sempre aberta, com o bloquinho de papel e o lápis na mão, ouvindo no silêncio de sua mente, embora rodeado pelo palavrório e gritaria constante do pátio, um sibilar confuso de ventania. Prestou atenção ao que ouviu na própria cabeça, desconsiderando os sons que vinham de fora, até ficar completamente introspectivo; quase apoplético.

- Apagando as luzes! - o grito de aviso do guarda noturno, cunhado de Joana, um forte e sisudo mulato, de nome Isaías, o despertou de seu estado, quando percebeu que anoitecera completamente, e pelo aviso, já eram sete da noite, hora impreterível em que se apagavam todas as luzes internas, e ele, perdido dentro de si, nada escrevera, mas manteve-se na posição em que estivera. Sentia a boca seca.

Inclinou a cabeça para o lado, para melhor observar a uma ratazana, de tamanho considerável que se esgueirava ao canto da parede, à procura de restos de comida humana, ou de pequenas presas com as quais pudesse saciar a fome. Três horas tinham se passado desde o apagar das luzes, e Floriano mantinha-se na mesma posição, imóvel, de boca aberta e olhos sem vida. Atirou-se num pulo contra o rato, agarrando-o na forte mão, tornou a sentar, observando detidamente ao roedor, que se contorcia e chiava de medo e desespero.

"Hummmmmmmhummhummhumm" cantarolou, fazendo bailar no ar o rato preso em sua mão. "Hummmmmmmhummhummhumm".

- Amor - sussurrou-lhe à orelha uma voz feminina. Ele olhou para trás num movimento reflexo: não havia nada.

- Amor - sussurrava-lhe novamente, do outro lado, da porta, atrás de si. Virou-se novamente. Nada, senão o chiado constante do rato, que lhe mordia violentamente a mão, sem que ele percebesse.

"Hummmmmmmhummhummhumm" viu a figura da esposa, do lado de fora, no pátio, a mexer suavemente os quadris, ante o cantar suave e contínuo "Hummmmmmmhummhummhumm".

Sua esposa não era uma figura feia, ao contrário até: cabelos negros e lisos até a cintura; por volta de um metro e sessenta de altura, e corpo curvilíneo. Encarava-o sem parar e cantarolando "Hummmmmmmhummhummhumm".

O ar lhe saia trêmulo na respiração contínua e abafada. Olhou de volta para o rato, ao ver o fluxo contínuo de sangue que saia da ferida recém aberta em sua mão, que pingava no caderno de anotações no chão.

"Hummmmmmmhummhummhumm"

Com cuidado, agachou-se, e pegou o lápis com a outra mão, sentou-se no chão no outro lado da cela, de forma a ficar protegido do pátio pela parede lateral.

Ajeitou o rato na mão, segurando-o da cauda à cabeça, firmemente, de forma que o roedor não pudesse se mexer. Riu, fascinado pela expressão de dor na cara do pobre animalzinho, quando devagar, ele enfiou-lhe o lápis pelo ânus até que saísse pela boca, empalando-o.

- Aaamoorr - sussurrou-lhe novamente a esposa, agachada a seu lado, falando-lhe ao ouvido.

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*

O estado de abatimento físico de Floriano espantou o médico, que acompanhou com surpresa ao paciente jogar-se sentado à cadeira, e colocar o bloco de papel sobre a mesa.

- Tu estás bem? - perguntou Capistrano. Floriano fez que não, com a cabeça, seus olhos estavam inchados, e a pele em tom meio amarelado, os lábios, de tão secos, descascavam até sangrar. - O que sente? - quis saber o médico, abrindo o bloco de anotações de Floriano.

- Não escrevi nada - gemeu o paciente, com a voz embargada.

Longe de não ter nada escrito, as folhas todas do caderno sem pautas, estavam rabiscadas em grafite e em sangue, alguns desenhos macabros, ou apenas rabiscos sem sentido, algumas se encontravam rasgadas pela força com que lhe fora esfregado o lápis.

Capistrano bufou perturbado, pelo notável recrudescimento das condições mentais do paciente.

- Floriano - disse calmamente -, o que está a acontecer contigo?

- Ela voltou, Doutor - respondeu Floriano, sem erguer os olhos fatigados.

- Quem voltou, meu amigo?

- Nós a chamamos. E ela veio... - falou com tristeza. Capistrano olhava-o sem entender.

- Quem, Floriano? A quem chamamos? E quem veio?

- A vampira, Doutor - cochichou, nitidamente com medo, a encolher os protuberantes ombros (35).

- A vampira? - perguntou Capistrano, com os olhos rasos de lágrimas, descrente, respirou fundo e acendeu um cigarro. Criaturas Mitológicas! Pensou, relembrando de um dos relatos de suas internações passadas. Santo Deus! Recuei..., constatava o médico, em seu pensamento. - Conta-me, sobre a vampira - pediu, a disfarçar a dor que sentia ao peito.

Silêncio absoluto, entre médico e paciente.

- Era minha esposa, Doutor - respondeu Floriano, por fim.

- A vampira? - Capistrano inquiriu, com a surpresa elevada. - A vampira era tua esposa?

Floriano balançou a cabeça, com os olhos ainda baixos, acendeu um cigarro e tragou com força, expelindo a fumaça pelo nariz.

- Nós dois o somos. Eu e ela.

- O senhor também é um vampiro? - Capistrano sentiu as lágrimas, quase involuntárias, rolarem de seus olhos, limpou-as rapidamente, para evitar que o paciente as notasse.

Floriano levantou a cabeça, a olhar para o canto da sala, na direção do teto:

- Houve o grilo?

- Não, Floriano. Não ouço nada.

Manteve-se em silêncio, perturbadoramente na mesma posição, e com a mesma inclinação de cabeça, com o cigarro a queimar sozinho em seus dedos.

Floriano de repente olhou para o médico, sustentando nele fixamente o olhar, ainda em silêncio.

- Até segunda, Doutor - disse ao se levantar abruptamente, em direção da porta.

Capistrano quis detê-lo, estava intrigado para ver aonde daria aquela conversa, mas a decepção que sentira, fora tão grande, que sobrepujou sua curiosidade clínica, deixou-o ir, e afundou-se contrariado em sua poltrona.

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ERÓTICO


MEMÓRIAS DE UM TERAPEUTA SEXUAL:

Caso. 1 - "A Casada com tara oral"


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Softporn; Hétero; Conto.

3.266 palavras; 18.767 caracteres; 11 páginas de word.

Seção única.

Chamo-me Istvan Weimer R.R., PHD em transtornos comportamentais do sexo. Resido no Brasil há quase quinze anos, tempo mais que suficiente para requerer minha cidadania plena, coisa que não fiz, e sinceramente não pretendo fazer. Amo o país e suas belezas, em especial as praias do Nordeste, onde moro, com suas brancas areias e lenções de um azul anil profundo, mas encontro-me já de idade avançada, e não tenho interesse em adquirir outra nacionalidade que não à de minha nascença.

Sou Francês de origem, se bem que, de todos os países onde já morei, a França foi o que menos tempo passei, claro que todas as minhas lembranças afetivas lá se encontram, mas hoje, considero-me mais um cidadão do mundo do que de alguma pátria. Apátrida: é minha real nacionalidade.

Por anos, desde que me aposentei e reconstruí minha vida aqui, em terras mais quentes ao sul dos trópicos, pensei em escrever sobre todas as histórias que ouvi e lidei ao longo de décadas de profissão, mas os imperativos da discrição refreavam-me a língua, entretanto, já tendo se passado, para alguns destes casos que irei expor quase meio século, creio já estar livre de qualquer amarra, tanto legal quanto moral, que por ventura pudessem, ainda uma vez, fazer parar minha pena.

Não farei esboços clínicos, nem tampouco contarei sobre diagnósticos, tratamentos, ou mesmo discorrerei acerca das etiologias patológicas de meus antigos pacientes, apenas contarei os mais estranhos, excitantes e calcitrantes casos de perversão sexual que encontrei - tolices de homem velho -, é que diverte-me a ideia de pensar em ti, leitor meu - sim, falo diretamente para você, que hora me lê, esbaforido pelo meu linguajar. Oh FALO a você. E imagino seu corpo, e o cheiro de seu sexo, pergunto-me se te tocarás? E tento imaginar o quão profundamente minhas palavras o irá penetrar. - Certo poeta, não de vosso País, mas de vosso idioma, certa vez escreveu "... escrever é em mim uma perversão sexual..." e cá estou, então, dedilhando suavemente o clitóris de seus olhos, por pura perversão e tara minha...

Os diálogos, situações e nomes, reais em sua maioria, foram modificados, para melhor se adequar à narrativa que transcrevo em conto. Separei dez dos casos mais estranhos, todos sendo da época em que eu atendia em minha casa, em um escritório isolado que mandei construir em um dos cômodos, na belíssima cidade de Liége, na Bélgica. Morava nesta época, com esposa e filho, em um vilarejo afastado, muito famoso devido ao Uísque de excelente qualidade que produz. Tendo eu me apresentado, vamos, sem mais tardança de velho prolixo, ao primeiro dos casos:

Caso 1: "A casada com tara oral"

O primeiro caso que irei relatar foi um dos mais excitantes que já encontrei. Perdi a conta de quantas vezes me masturbei pensando naquela mulher, a simples imagem de sua boca produzia em mim o mais teso desejo, a ponto de fazer-me latejar. Imaginava meu pênis entrando, hirto como uma rocha, garganta adentro daquela mulher.

Nas primeiras sessões ela foi acompanhada pelo marido, eram os dois suecos, mas moravam em Paris, e conseguiram meu contato com outro de meus clientes, que era amigo em comum deles. O nome dela era I., os cabelos eram de um louro quase branco, seios enormes e pele rosada, e a boca, deuses aquela boca! Que parecia o tempo inteiro implorar por um pau duro e sem misericórdia.

Por mais estranho que pareça, foram me procurar para tratar a tara dela, pois o marido não aguentava mais a tara que I. tinha por sexo oral:

- É o dia todo se deixar, doutor - falou ele, explicando a situação -, no início do casamento era uma maravilha! Eu me sentia o homem mais sortudo do mundo, mas depois... ela não quer fazer mais nada, a única coisa que ela faz é chupar, chupar, chupar e chupar! Eu não aguento mais!

Ela ouvia as reclamações do marido com nítida vergonha, tadinha, mal conseguia olhar nos meus olhos. Nas sessões seguintes, o marido continuava a comparecer, e ela continuava muito travada, não fazíamos nenhum tipo de progresso, e eu, lógico, estava incomodado em sugerir que ele a deixasse sozinha comigo, ainda que as entrevistas se dessem no interior da casa onde eu viva com minha família.

Até que ele parou de ir, foi então que ela se soltou, e paulatinamente começou a me contar suas aventuras:

- Eu adorava chupar o cacete do meu marido. Sempre gostei de boquete, sabe? Foi a minha primeira experiência sexual... acho que chupar é a primeira coisa que uma mulher aprende, e é tão bom sentir o nervo pulsando em minha garganta, a maciez da glande massageando o céu da minha boca, e o encerramento, sentindo a porra do meu macho escorrer pela minha faringe. Mas ele não gosta mais, não tanto quanto eu - neste momento ela fez uma pausa, lutava em se dominar a me contar o que pretendia, e eu já imaginava. - Tenho chupado outros caras. Escondido dele...

Ela esperou por alguma reação minha, mas exortei-a a continuar o relato, não que o relato em si fosse importante para o tratamento, mas o era para meu deleite. Já era a quinta consulta dela, uma vez por semana, e eu já me masturbava convulsivamente pensando nela, aliás, para ela não, mas para a boca dela, estava tão excitado por ela e por sua doença que cheguei a foder a boca de minha mulher com tanta fúria que quase a havia sufocado. Eu queria ouvir sobre aquela traição, queria saber o que e com quem ela havia feito, e mais do que tudo, não queria que ela omitisse nenhum, dos mais mínimos detalhes sujos.

É certo que ela sabia os desejos que provocava em mim. Sei disso porque às vezes ela se virava do divã e olhava diretamente para o volume de minha calça, meu pênis sempre ficava ereto perto dela, bastava que ela chegasse, ou mesmo que eu me lembrasse de sua boca, e não importava o local, às vezes até mesmo no supermercado, ou em outro lugar, bastava à memória voltar à imagem daquela boca suculenta e macia, que meu pau se entumecia. Oh quantas vezes precisei bater uma punheta em algum banheiro público, para me aliviar da tensão! Nem preciso dizer que vi em vários mictórios a boca dela, engolindo cada gotícula de meu sêmen, que eu tão vigorosamente jogava fora.

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